Audiência com o Secretário de Estado da Cultura - 7 de junho, 2016, Palácio da Ajuda, Lisboa

1 – Situação atual da DGArtes



Vemos com extrema preocupação o abandono a que está votada a DGArtes. Assim, e depois de alguns anos, sob a égide do anterior executivo PSD/PP, em que a DGArtes assumia sobretudo um papel de vigilância da atividade dos artistas – tendo chegado ao ponto de ser informalmente referida, por estes, como “A PIDE das Artes” - a Direção-Geral parece hoje reduzida a um mero papel de instrutora de concursos.

A perda de recursos humanos, o excesso de trabalho dos funcionários, a sua desmotivação, a distribuição de tarefas por funcionários que não conhecem a área e/ou os agentes, a constante entrada e saída de diretores-gerais, subdiretores-gerais e diretores de serviços e, claro, a perda de recursos financeiros.

Naturalmente, à perda de recursos humanos e financeiros, correspondeu também um desanuviar das relações de hostilidade com o setor, quanto mais não seja por já não existirem condições para acompanhar devidamente a atividade. Como se explica, por exemplo, que as Comissões de Acompanhamento não funcionem? E em particular, como se justifica que a Comissão da Região Norte – onde sempre houve uma tradição de acompanhamento – tenha sido desativada após a cessação de funções da responsável para o o setor do Teatro e Dança? E, mais ainda, como se explica que a DGArtes silencie a não abertura de apoios anuais 2016, nos termos da lei, parecendo empenhada em que o tempo passe até ao ponto de ser possível dizer que “agora é tão tarde que já não vale a pena”.

Consideramos vital que se salve a DGArtes deste estado terminal, reforçando os seus meios humanos e financeiros, de modo a permitir o efetivo exercício da sua missão, permitindo não só o apoio aos agentes do setor mas também a quotidiana legitimação do próprio apoio às artes.


2 – Inscrição plurianual da despesa de apoio às artes no Orçamento de Estado.

O que se tem passado é um progressivo deslizar da abertura de concursos, para um momento posterior à aprovação do Orçamento de Estado do ano a que respeitam. Isto significa que - de 4 em 4 anos para os procedimentos Quadrienais, de 2 em 2 anos para os procedimentos Bienais e todos os anos para os procedimentos Anuais – vemos instalada uma situação lamentável: A abertura de concursos, para caderno de encargos que se inicia em 1 de janeiro, ocorre apenas em novembro/dezembro do ano anterior, prolongando-se o respetivo procedimento administrativo – por força da lei – pelo menos até maio, altura de uma decisão final. Significa isto que os candidatos são confrontados com a necessidade de – ao arrepio da segurança e certeza jurídica própria de um Estado de Direito – optar por uma de duas vias: Ou aguardar pelo fim do procedimento para iniciar a atividade proposta, o que significará, no caso de sucesso da candidatura, uma imediata violação do caderno de encargos; Ou, em alternativa, iniciar o plano de atividades proposto logo a 1 de janeiro, arriscando, em caso de não aprovação da candidatura, uma absoluta derrocada financeira, por se assumir isoladamente um plano desenhado para uma relação com o Estado.

Esta situação é extremamente lesiva da produção da criação artística, lançando constantes movimentos de instabilidade nas organizações, num processo degradante – humilhante, mesmo - da condição dos profissionais do setor. Naturalmente, compreende-se que o país, como um todo, tenha de aguardar pelo orçamento do ano seguinte, o que não se compreende é que - nesta articulação particular entre o tipo de atividade que o Estado se propõe financiar e os modos da sua execução – seja aceitável este recorrente momento de impasse. Tanto mais que é já prática comum que as despesas relativas ao segundo, terceiro e quarto ano dos Apoios Quadrienais (e ao segundo dos Bienais) sejam inscritas no Mapa XVII anexo ao Orçamento de Estado dos respetivos primeiros anos, enquanto despesas plurianuais, salvaguardando assim alguma estabilidade. Mas não impedindo, contudo, que no que toca ao primeiro ano dos ciclos Quadrienais e Bienais, e a todos os ciclos Anuais, o caos seja absoluto.

Assim, nos termos do art. 4.º, n.º 3, da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto (Lei de Enquadramento Orçamental), vem propor-se a aprovação de uma despesa plurianual para o quadriénio 2017/2020, a inscrever no Mapa XVII da lei do Orçamento de Estado para 2017, relativa ao concurso Quadrienal de Apoio às Artes 2017-2020, aos concursos Bienais 2017/2018 e 2019/2020 e aos concursos Anuais 2017, 2018, 2019 e 2020.

Importa também notar que a inscrição plurianual das despesas, aqui proposta, não teria de impedir a consideração de eventuais alterações do cenário macro-económico. Por um lado, e no que poderia inquietar o setor, não deixaria de ser possível um reforço de verbas caso o cenário macro-económico o permitisse e a política vigente o entendesse. Por outro lado, no que poderia inquietar o Estado, o Mapa XVII expressa sobretudo uma vontade política que não compromete juridicamente o Estado, que poderá sempre socorrer-se de uma Lei de Orçamento posterior para traçar alterações. Tanto mais que os acordos celebrados entre o Estado e os agentes do setor - referimo-nos ao início dos ciclos Quadrienais e Bienais - não configuram, substancialmente, verdadeiros contratos, sendo antes protocolos, em que o Estado reserva para si próprio a possibilidade de impor alterações unilaterais.

Deste modo, e depois de se ter desperdiçado a oportunidade para inscrição da despesa solicitada, já no Orçamento para 2016, que teria permitido que os concursos relativos a 2017 abrissem no primeiro semestre de 2016, deveria proceder-se à inscrição da despesa plurianual em causa no Orçamento de Estado de 2017, colocando Portugal no campo das melhores práticas, a nível europeu, no que diz respeito ao Apoio às Artes. Sem tocar no volume da despesa pública.



3 – Defesa de um modelo de Apoio às Artes centrado no Apoio Direto aos artistas/produtores.



O modelo português de Apoio às Artes centra-se no apoio direto aos criadores e produtores. Assim, e sem prejuízo de outras vias, e nomeadamente desde os anos 90, tem sido este o modelo responsável pelo dinamismo e pluralidade da criação artística em Portugal.

Será um modelo perfeito e sem pecados? Naturalmente que não. Veja-se, por exemplo, o modo como o modelo induz uma obrigação de criação/produção que nem sempre encontra sustentação por parte dos mecanismos existentes em termos de difusão; ou veja-se como o modelo foi obrigado a estimular os artistas a “apanharem os cacos do Estado Social”, seduzindo-os para a incorporação de obrigações de circulação nacional, serviço educativo e acolhimento dos mais jovens.

Mas acreditamos que o Apoio às Artes deve continuar a ser centrado no apoio direto aos criadores/produtores, sem prejuízo, naturalmente, de corrigir o que se entenda serem distorções do seu funcionamento, por exemplo, reforçando as redes de circulação, promovendo a procura ou diminuindo a normatividade quantitativa associada às novas criações.

Porque acreditamos que este modelo, centrado no apoio direto aos criadores e produtores, é o que melhor garante a diversidade e pluralidade da criação artística, porque atomiza o processo de decisão – acerca do que deve ser criado e produzido - por centenas de agentes espalhados por todo o país – mesmo por todo o país – e por géneros, gerações, estéticas e políticas. E, finalmente, porque é este modelo que mais sustenta a legitimação dos artistas enquanto agentes diretos de um serviço público.

Assim, nunca estaremos disponíveis para subscrever a substituição do Apoio Direto, enquanto pedra de toque do modelo de Apoio às Artes, pelo Apoio aos Mediadores, leia-se o apoio às estruturas de programação. Por considerarmos que coloca em perigo a diversidade e a pluralidade da criação artística: centrando o processo de decisão em, teoricamente, poucas dezenas de pessoas, mas na prática numa meia dúzia de agentes, os que gerem os maiores orçamentos de programação.

Mas, naturalmente, veríamos com interesse um aumentos dos recursos associados aos mecanismos e circuitos de difusão, desde que a sua inscrição orçamental não permitisse o posterior deslizamento de um modelo para o outro através da (des)afetação de recursos. Estamos portanto a referir-nos a inscrições orçamentais exteriores à DGArtes e, de preferência, exteriores ao Ministério da Cultura.

Finalmente, apontamos também a necessidade de qualquer discussão acerca de modelos de Apoio às Artes, ser tida de modo público e envolvendo as organizações representativas do setor. Desde o início.


4 – Indicadores para o valor cultural das artes.



Em março deste ano, a PLATEIA participou, juntamente com a REDE e a DGArtes, no encontro Valuing the Arts" organizado pelo IETM - International Network for Contemporary Performing Arts. E por entre as várias questões debatidas, a PLATEIA comprometeu-se fortemente com a necessidade de encontrar indicadores e modelos que permitam medir o valor intrínseco/cultural da criação artística.

Falamos de uma tentativa de inverter, ou pelo menos corrigir, o que tem sido a estratégia de advocacia do setor desde o início do século XXI; uma estratégia, parece-nos agora, excessivamente centrada na tentativa de comunicar o valor económico da criação artística, enfim o seu impacto no PIB. Isto porque esta estratégia encurralou a criação artística no canto em que agora se debate com todos os outros setores, condenada a tentar demonstrar a “propriedade” sobre impactos transversais e também reclamados por outras atividades.

Assim, e ao longo da última década, têm já sido apontados, por economistas ligados ao setor da cultura, diversos caminhos para medir o dito valor intrínseco/cultural da cultura - nomeadamente aquele que se associa aos domínios espirituais, simbólicos e identitários – através, por exemplo, da agregação ordinal da opinião de peritos e públicos para posterior conversão em critérios cardinais. Mas repare-se que falamos de novos indicadores para medir o valor do setor, relativamente a outros setores, e não para medir o valor de um artista relativamente a outros artistas.

Contudo, ainda não parece ter sido efetivamente testado um novo modelo de avaliação do impacto associado a estes indicadores, nomeadamente em Portugal. Neste sentido a PLATEIA abordou já uma instituição de Ensino Superior para aferir da viabilidade de um estudo que propusesse modelo e indicadores para medir o valor intrínseco/cultural das artes em Portugal.

Mas a verdade é que este caminho só teria sentido em articulação com os organismos públicos responsáveis pela tutela do setor, nomeadamente o Ministério da Cultura, porque do que se trata é de aumentar o poder negocial do Ministro da Cultura em sede do Conselho de Ministros, permitindo que este alegue uma majoração do mero impacto económico da cultura, sempre que se trate da avaliação relativa do impacto do valor dos diversos setores na sociedade e economia, para efeito da determinação do Orçamento de Estado e da divisão dos recursos por Ministérios.

Gostaríamos assim de conhecer a opinião do Ministério da Cultura acerca das virtudes e utilidades que, eventualmente, encontrará no estudo destes indicadores e modelo.





5 – A criação artística e a cultura como prioridades da União Europeia para 2020-2030



Ao longo de 2015, a PLATEIA participou ativamente, em articulação com outras organizações do setor, na redação do apelo que originou o movimento 2030 Alliance for Culture and the Arts.

Do que se trata, em síntese, é que algumas das decisões que vão condicionar a criação artística e a cultura até 2030 estão a ser tomadas neste momento e poucos sabem disso. Poucos sabem que as prioridades da União Europeia para 2020-2030 estão agora a ser definidas. E menos ainda são os que sabem que nos textos iniciais não há uma palavra sobre Cultura e Artes. E o problema é que serão estas prioridades a condicionar não só as políticas europeias mas também as políticas nacionais, pelo que não será daqui a 10 anos que se poderá mudar alguma coisa; ou se muda agora ou se espera até 2030.

O movimento foi lançado, à escala europeia, em 19 de abril, em Bruxelas, aquando da entrega do apelo ao Comissário Europeu da Cultura, Tibor Navracsics. E foi lançado em Portugal pela PLATEIA, uma semana antes da comemoração do Dia da Europa – 9 de maio : https://allianceforculture.com/

Trata-se de um apelo para que os decisores políticos repensem a Europa, incluindo a Cultura e as Artes nas prioridades estratégicas de longo prazo do projeto europeu. Sublinhamos Cultura e Artes, numa tentativa de evitar a diluição da legitimação da criação artística por entre o alargamento do espectro das políticas culturais, após a integração das agendas associadas às Indústrias Criativas, as quais permitem referir Cultura quando se fala exclusivamente de turismo, gastronomia, design de produtos industriais etc.

A PLATEIA deseja assim compreender a posição do governo português relativamente à inserção da Cultura e das Artes como prioridades da agenda europeia para 2020-2030. Mas não nos referimos apenas a uma mera declaração de princípios mas ao detalhe do que poderá o governo português fazer, e em que sede e em que momento.