Todas as cidades têm política cultural. Mas umas têm mais do que outras.

A PLATEIA – Associação de Profissionais das Artes Cénicas - tem vindo a promover debates a propósito de políticas culturais no âmbito europeu, nacional e autárquico, por ocasião de cada uma das eleições. Este ciclo, iniciou-se em Junho com um debate acerca das políticas europeias e teve continuidade, já em Setembro, com um encontro com candidatos à Assembleia da República, dos partidos com assento parlamentar. Prosseguimos agora com um encontro entre candidatos à Câmara Municipal do Porto. Será uma oportunidade única para discutir e comparar as propostas dos vários partidos em termos de política cultural. O debate será moderado pela jornalista Inês Nadais, do jornal “Público” e terá lugar na FNAC de Santa Catarina, no Porto, na Segunda-feira, 28 de Setembro pelas 18h. No debate participam Amélia Cupertino de Miranda (Coligação Partido Social Democrata - Partido Popular), Nicolau Pais (Partido Socialista), Catarina Martins (Bloco de Esquerda) e nome a confirmar (Coligação Democrática Unitária). O texto que segue é da responsabilidade da PLATEIA e será distribuído aos participantes e moderadora com o objectivo de estimular a discussão e a partilha de ideias.


«O património cultural do Porto é, provavelmente, um dos seus
maiores activos.
É rico tanto o seu património material, que a classificação do
centro histórico como Património da Humanidade reconhece
simbolicamente, como o imaterial que se espelha, nomeadamente,
no contributo da cidade para a cultura nacional, nos seus mais
variados domínios, das letras ao cinema, do teatro à
arquitectura. O espírito empreendedor e pioneiro, que
frequentemente se associa ao Porto, manifesta-se neste domínio,
talvez mais do que em qualquer outro. (…)
Aqui viveram/vivem e trabalharam/trabalham alguns dos melhores
criadores nacionais nas mais diversas áreas e algumas das
melhores escolas ‘artísticas’ (…).
São múltiplas as formas pelas quais o capital cultural pode ser
mobilizado (ou pode mobilizar-se) para a renovação das cidades.
No entanto, mais ou menos directamente, a importância da sua
mobilização resulta do reconhecimento de que o capital cultural
e o capital humano são complementares. Os cidadãos da cidade
pós-industrial são cada vez mais exigentes quanto aos padrões de
qualidade de vida dos seus espaços urbanos, enfatizando
preocupações estéticas (Clark et al., 2002). Quanto menor for o
capital cultural de uma localização mais difícil será (maiores
serão os custos de) atrair/reter a classe criativa (Florida,
2004) nessa localização, pelo que também maiores serão os custos
de operar actividades intensivas em conhecimento, como a
investigação e desenvolvimento, os sectores intensivos em
tecnologia ou os serviços avançados, a partir desses locais.
(…)
Ora, o ponto que se pretende estabelecer, é que o Porto dispõe
de um capital cultural capaz de, em articulação com o potencial
de produção de capital humano que o sistema de ensino da cidade
oferece, cumprir esta função de impulsionador do desenvolvimento
da cidade enquanto espaço de trabalho e de residência. Note-se,
aliás, que o Porto dispõe de uma boa oferta de ensino artístico
quer ao nível do ensino secundário, quer do ensino superior. Os
alunos formados por estas escolas estão na origem de muitas das
novas iniciativas que animam a vida cultural da cidade, ainda
que por vezes a sua existência seja efémera. Se é certo que uma
elevada rotação é uma característica deste tipo de iniciativas
(dela dependendo, aliás, alguma da sua valia), também parece ser
verdade que muitos dos recursos formados nestas áreas na cidade
acabam por a abandonar (sem que outros formados externamente os
substituam) por insuficiência/inexistência de estruturas
intermédias de produção/acolhimento que alimentem um mercado de
trabalho suficientemente dinâmico para garantir estruturas
minimamente estáveis, na ausência de fontes de rendimento
complementares (tipicamente, nos meios audiovisuais) muito
concentradas na região de Lisboa. Ora, esta é, precisamente, a
população que, juntamente com outra população muito qualificada,
tem servido frequentemente de motor a experiências bem sucedidas
de regeneração de zonas urbanas em declínio (Lloyd, 2002) e que
o Porto não se deve permitir perder.
(…)
Reconhece-se que o Porto dispõe de um capital cultural capaz de,
em articulação com o seu potencial de produção de capital
humano, funcionar como um factor de atracção de população e
emprego para a cidade. Mas, também, tem que se reconhecer que
este potencial não está a ser plenamente aproveitado. Neste
domínio, como afinal no das infra-estruturas de apoio à
actividade económica e no da qualidade de vida, o que se impõe é
assegurar que os investimentos realizados no passado (a
capacidade disponível) concretizam o seu potencial de produção
de benefícios, evitando-se que, pela ausência de investimentos
marginais, a despesa anterior se revele improdutiva.
(…)
O Porto é (tem condições para ser) um pólo de serviços
especializados que se apoia essencialmente na qualificação dos
seus recursos humanos e na capacidade de formação que possui. O
desenvolvimento de uma lógica de complementaridade com os
restantes concelhos da Área Metropolitana é essencial para
assegurar a afirmação da cidade no seu contexto regional, mas
também para afirmar a Área Metropolitana do Porto no contexto
nacional.»
Excertos de “A Base Económica do Porto e o Emprego” (Junho 2008) José Varejão
(coordenador), Anabela Martins, Luís Delfim Santos e Pilar González (Faculdade de
Economia do Porto), Ed. Câmara Municipal do Porto.

Estas palavras não são nossas, o discurso não é o nosso, o foco
deste estudo não é também o nosso. Mas acaba por ser
incrivelmente coincidente com o nosso o diagnóstico feito sobre
o estado e o papel da cultura, em geral e até no que às artes
cénicas diz respeito, na nossa cidade.
A Plateia teve como fermento para a sua criação precisamente a
existência de um enorme capital humano especializado nas artes
cénicas no Grande Porto (formado localmente via investimento em
escolas artísticas), um grande investimento em equipamentos
culturais, e, apesar disso, o sentimento que se instalava nos
profissionais das artes cénicas de desperdício, de estar numa
cidade que os empurra para fora em vez de puxar para dentro.
É verdade que este estado de coisas se deve bastante à postura
centralizadora e de progressiva marginalização da importância da
cultura e da arte contemporânea por parte da administração
central. Mas não se explica assim que muitas capitais de
distrito do nosso país, com incomparavelmente menor oferta de
formação especializada artística, de equipamentos e capital
culturais, consigam ombrear com o Porto em termos da sua
programação cultural e artística. A Cidade faz-se pelo seu
Governo Local com e para os seus habitantes, convidados,
frequentadores, com ambição e visão de mundo. Na nossa cidade
nada disso se tem feito. Na nossa cidade desperdiçamos
instrumentos simbólicos e estruturantes de uma política cultural
urbana como são o pioneiro Rivoli e o Teatro do Campo Alegre.
Qual o programa que os candidatos ao governo do Porto têm para
estes equipamentos?
Defende a Plateia, como este estudo, que a arte é dinamizadora
da economia e da qualidade de vida de uma população que tem o
direito a fruir de oferta diversificada de propostas mas também
a ser seu promotor; defende a Plateia, como defende este estudo,
que um Porto culturalmente forte e desenvolvido presta um
serviço ao país, democratizando a oferta e a oportunidade de
criação artística, como um pólo cosmopolita que sirva a metade
norte do país.
Considera a Plateia, em parte pela identificada falta de “fontes
de rendimento complementares” para os profissionais desta área
na nossa cidade, que o Porto poderia afirmar-se como a Cidade
das Artes Cénicas. Tem tudo para isso. Tem faltado a vontade
política. Em vez disso é essencialmente um fornecedor de
profissionais qualificados das artes cénicas para o resto do
país. É pouco.