Memoradum da audição parlamentar da Plateia, no dia 6 de Julho de 2007 (estatuto profissional)

I
Aspectos Jurídicos
(pelo CIJE; adenda à súmula da apreciação entregue presencialmente)

1)Questões gerais

Necessidade de um estatuto compreensivo para as diversas profissões das artes cénicas e do sector do audiovisual, incluindo as profissões ligadas à concepção, criação, e difusão através da internet.

Remissão para diploma autónomo do regime da segurança social de todas estas profissões, embora com consagração expressa do princípio da cobertura universal.

Necessidade de regulamentação das actividades de intermediação/agenciamento neste sector de actividade, num diploma autónomo ou em capítulo de diploma relativo à disciplina de entidades que tenham por objecto o encontro da oferta e da procura de emprego.

2)Âmbito de aplicação
Metodologia na sua definição: cláusula geral, seguida de enumeração exemplificativa. Solução que permite não apenas abarcar o maior número de situações possível, como manter a lei actualizada face ao contínuo desenvolvimento técnico e económico do sector, particularmente no domínio audiovisual.

Aspectos substantivos
Necessidade de contemplar no âmbito subjectivo, de forma expressa e inequívoca, tanto as profissões artísticas (ligadas à concepção, criação, execução e interpretação), como as de índole técnico-artística (ligadas à execução material e instrumental ou ao processo de produção stricto sensu) , dada a igualdade substantiva existente no que toca às condições de exercício da prestação e à interligação funcional e hierárquica.
Ambas as categorias a definir pela metodologia referida supra.
Exemplificação:
Profissões de natureza artística
Encenador, realizador, coreógrafo, compositor, maestro, argumentista, dramaturgista, actor, bailarino, cantor, mimo, músico, toureiro, artista de circo, cenógrafo, figurinista, aderecista, caracterizador, desenhador de luz, desenhador de som, videasta, director de fotografia, editor de audiovisual, etc
Profissões de natureza técnico-artística
Produtor, técnico de cena, anotador, técnico de luz, som, operador de câmara, etc.

Relativamente à proposta de Lei 132/X

Artigo 1º, nº 1 – Não é inequívoca a inclusão do sector do audiovisual nem as profissões de natureza técnico-artística
Haveria vantagem na precisão de quem é a entidade empregadora, dado ser frequente nesta actividade a diferenciação da entidade que é titular do vínculo e o beneficiário da prestação de trabalho artístico.

Artigo 1º, nº 3 – Literalidade demasiado restritiva pois não menciona a internet, como meio de difusão, nem a utilização de espaços públicos para realização de espectáculos ( v.g. espaços monumentais ou produções site specific).

Artigo 1º, nº 4 – Não é clara a situação das produções amadoras em espaços públicos

Artigo 1º, nº 5 – Deve em conformidade com os argumentos antecedentes recobrir apenas o pessoal técnico ou auxiliar, não incluído nas profissões artísticas ou técnico-artísticas, isto é , as categorias objecto da disciplina legal. A definição deve, por conseguinte, ser residual.

3)Acesso à profissão
Inutilidade de um registo facultativo.
Contradição na formulação do artigo 3º da Proposta de Lei 132/X: no nº1 o registo é um ónus jurídico, no nº 2 uma mera presunção que pode ser ilidida e no nº 3 atribui um título.

Só o registo obrigatório cumpre uma função habilitante.

Estabelecimento de um duplo critério de profissionalidade baseado no título académico ou qualificações da formação técnico-profissional, legalmente reconhecidos e na experiência qualificada do exercício da profissão, durante determinado período de tempo.

4)Contrato a termo
O contrato de trabalho a termo é o vínculo jurídico-laboral que mais se adequa à natureza da prestação do trabalho artístico.
Não há motivo para excluir a admissibilidade do contrato a termo incerto, que deverá estender-se por todo o tempo de duração do espectáculo ou da produção.
Ora, o artigo 6º da Proposta de lei 132/X apenas admite a celebração de contratos a termo certo e para as profissões de natureza artística.

Necessidade de maior compatibilização com o regime do contrato a termo no Código do Trabalho, nomeadamente:
Está este contrato sujeito às causas legitimadoras previstas no art. 129º, nº 2, do Código?
Quais as consequências da inobservância da forma escrita? Conversão num contrato a tempo indeterminado , de acordo com o disposto no art. 131º, nº 4, do Código do Trabalho ou nulidade, nos termos gerais de direito?
A caducidade do contrato opera, nos termos do art. 388º do Código do Trabalho, mediante comunicação do empregador, ou, uma vez que a renovação deve ser expressa, essa formalidade é dispensada?

5)Trabalho intermitente
Esta subespécie do contrato de duração indeterminada é na previsão da Proposta de Lei um contrato formal, no entanto o acordo de passagem do regime comum para o regime dito intermitente não está sujeito a forma – cfr. art. 7º, nº 2. Um paralelo interessante e adequado para esta situação seria o do teletrabalho, previsto no art. 235º do Código do Trabalho.
Substituição da “antecedência razoável”, referida no nº 4 do art. 7º da Proposta, por um período determinado de tempo, em nome da segurança jurídica e da possível articulação da dupla actividade do trabalhador intermitente [art. 7º, nº 6, alínea c) ]. Período que deveria ser não inferior a 15 dias , que é o tempo de referência para o pré-aviso de desvinculação unilateral.

Expressa inclusão das profissões técnico-artísticas.

6) Consagração do princípio da carreira única
Uma outra vertente do específico modo de prestação de actividade em causa no sector é o carácter descontínuo da profissão e da pluralidade de vínculos. Ora, quer a Proposta quer os Projectos apenas se referem, na menção à figura do trabalho intermitente, à descontinuidade de ocupação do trabalhador dentro do mesmo quadro contratual de duração indeterminada.
Todavia, para que a sucessão contratual que caracteriza a profissão possa ter uma refracção jurídica defende-se a consideração de uma carreira unitária, assente na categoria profissional e independente da diversidade das entidades empregadoras ou da natureza e duração dos vínculos contratuais. Uma carreira que, nomeadamente, considerasse o cômputo global e unitário da antiguidade numa dada categoria profissional, atendendo à homogeneidade funcional e não ao suporte jurídico do seu desempenho.
A consagração deste princípio possibilitaria um começo de solução para a protecção social destes trabalhadores, v. g., pela segurança social e poderia mais facilmente construir uma carreira progressiva e evolutiva, através, por exemplo, da consideração global do tempo de permanência na categoria, uma vez que a intermitência jurídica dificilmente permite um tempo de permanência suficiente para um percurso formativo e progressivo.

7) Trabalho em grupo
Trata-se de uma justaposição de contratos de trabalho. Assim, levantam-se várias questões , nomeadamente:
Quais os efeitos da cessação de um dos contratos sobre os restantes por causa disciplinar?
Qual a extensão das funções do trabalhador representante (“trabalhador alfa”)?
Quais os efeitos das faltas de um dos trabalhadores sobre os restantes, sempre que a prestação não puder ser desempenhada?

8)Presunção de laboralidade
A existir deverá basear-se nas concretas condições de execução da prestação, tais como remuneração em função do tempo de actividade e não remuneração au cachet, sujeição a horário, integração numa estrutura organizativa hierárquica, margem de liberdade artística ou criativa, etc.

Além destes tópicos, reafirmam-se as conclusões já enunciadas na súmula.

II
Aspectos sócio-profissionais
(pela Plateia)

1)Âmbito/Abrangência

Devem os representantes do Estado (Executivo e Legislativo/representativo) economizar movimentos rentabilizando o seu efeito. Aqui a amplificação do efeito resultará de uma abragência que em projecto não está consagrada: consideração das profissões técnico-artísticas, a inclusão das profissões equivalentes na área dos audiovisuais. São mencionados meios de transmissão audiovisual no descritivo; o projecto tem como título e epígrafe “profissionais do espectáculo”. As profissões técnico-artísticas têm o mesmo impacto de horários, locais, intermitência e formas de contratualização, acesso à profissionalização, que as profissões artísticas.

2) Acesso à profissionalidade

O que é proposto é dúbio, inexacto, contraditório e inútil. Fala-se de registo facultativo que simultâneamente confere “grau” de profissional. A profissionalidade ou é sujeita a certificação obrigatória ou nada é. E o acesso à profissionalidade deve ser previsto quer pela via académica como pela experiência qualificada adquirida em contexto profissional. Este último aspecto suscita a pertinência da existência de um estatuto de “aprendiz” que permita esta forma de acesso à profissionalidade. Quanto à certificação propriamente dita não nos parece boa solução que seja feita pelo Ministério da Cultura. Ideal será que exista auto-regulação dos próprios profissionais o que não depende de vontade do legislador. Como alternativa poderá ser considerada a hipótese de a certificação profissional ser da responsabilidade das Escolas Superiores.

3) Intermitência?

A proposta é omissa sobre a intermitência na actividade do profissional, esta sim crítica para todos nós. Temos consciência de que a intermitência que aqui referimos é em essência matéria a considerar em legislação a produzir em âmbito de segurança social. Mas acreditamos que seja juridicamente possível alguma referência no presente diploma que a isso vincule o futuro. Será esta intermitência do foro laboral na hipótese lançada da constituição de uma carreira a ter como base uma contagem de tempo de serviço.

A Investigadora Principal do CIJE
Maria Regina Redinha

A Presidente da Direcção da Plateia
Ada Pereira da Silva