DIA MUNDIAL DO TEATRO 2008

algumas reflexões

(1)

«(…) É verdade que ao brincar demasiado com o fogo, o homem arrisca queimar-se, mas ganha igualmente a possibilidade de deslumbrar e iluminar.»

Assim termina Robert Lepage a Mensagem Internacional que marca o Dia Mundial do Teatro em 2008.


O Teatro será tão antigo quanto o Homem; mas são reconhecidamente tão antigos como o Teatro a paixão e o medo que ele desperta no Homem.

Sabemos bem que o poder ama e usa o teatro como postal ilustrado vistoso com final feliz, sala engalanada ou animação do povo ;teme e combate o teatro arte, o teatro crítico, o teatro que inova, que confia na inteligência do espectador, o teatro que pode queimar mas também iluminar.



(2)

No Porto temos esse tipo de poder, o pior dos poderes personificado pelo Presidente do executivo, Rui Rio. Conflui com a sua acção segregativa de tudo o que é arte, um displicente e continuado esquecimento do Porto enquanto pólo de criação por parte da administração central. Com montantes de financiamento praticamente “congelados” desde 1998, estanca-se o crescimento das estruturas de criação da cidade, mantendo-as num patamar de puberdade perpetuada. Promove-se o centralismo –só Lisboa tem direito a uma urbanidade cosmopolita - remetendo-se a letra morta o desiderato do combate às assimetrias regionais.


O Porto culturalmente repensado e construído, pelos cidadãos e pelas administrações local e central, nos anos noventa, tinha como um dos seus pilares basilares o Rivoli Teatro Municipal. Às inúmeras escolas superiores e profissionais, fundadas por cidadãos do Porto, cabe formar profissionais qualificados nas várias áreas envolvidas; ao Teatro Nacional de S. João cumpre apresentar programação diversificada nacional e internacional essencialmente na área do teatro. Ao Rivoli cabia a programação de espectáculos nacionais e estrangeiros principalmente no domínio da dança e do novo circo (isto mesmo foi tido em conta na sua reconstrução e equipamento) e o acolhimento da produção artística da cidade.

Rui Rio, por meios que configuram abuso de poder, falta de respeito pelos cidadãos e pelos preceitos da democracia, com enorme falta de urbanidade e visão estratégica, eliminou um dos pilares do tripé, desequilibrando-o. Num só acto prejudicou duplamente a população da cidade: privou-a da programação de dança e novo circo de excelência, privou-a de palco condigno para a produção própria. A cidade está mais pobre artisticamente e está também mais pobre em equidade e transparência democráticas.


Mas apesar da política local de desconfiança ou mesmo aversão face aos agentes culturais da cidade, munícipes também, o Porto continua e continuará a existir como pólo de criatividade e criação artística significante.



(3)

Portugal, país que se quer “europeu”, não tem ainda uma política cultural, transversal, que permita a qualificação e o desenvolvimento social global da sua população.

São desperdiçadas as capacidades educativas e pedagógicas do teatro - promotor de criatividade, do conhecimento e relacionamento inter-pessoais, do trabalho em equipa, da expressão oral e corporal, da capacidade de crítica e de escolha, o conhecimento, leitura e interpretação de textos - ao não tornar normal a sua prática nas escolas desde o ensino básico.

É desperdiçado o investimento na construção de inúmeros Teatros Municipais, que a administração central abandona um ano após a sua construção, muito antes da sua consolidação.

É desperdiçada a produção teatral nacional quando o estado não faz o esforço inicial de cobrir os custos de periferia – geográfica e de língua – possibilitando a entrada nos canais de programação internacional.


É um absurdo que o estado promova e/ou financie a formação de profissionais das artes cénicas sem lhes fornecer enquadramento legal. Existiu no ano transacto um primeiro gesto de reconhecimento da situação. Mas em vez de um Estatuto Profissional o governo propôs um Regime Laboral, elaborado essencialmente na perspectiva do empregador, ficando de fora o que mais importa nestas profissões: um regime adequado de segurança social que tenha em conta especificidades como a intermitência.

Cientes desta lacuna, a Plateia, associada à GDA e ao CIJE (Centro de Investigação Jurídico-Económica da Faculdade de Direito do Porto), elaborou um estudo de direito comparado e uma proposta legislativa concreta que foi entregue no Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social em Novembro passado.

Enorme absurdo será não aproveitar o trabalho feito, desperdiçando este acto de cidadania pró-activa tantas vezes reclamado à sociedade civil. Não deveria ser estimulado?