acerca do processo de regulamentação do apoio às artes

As propostas da DGA, relativas ao novo “Regulamento do apoio directo às artes”, revelam algumas evoluções interessantes – relativamente às possibilidades informalmente avançadas em Julho passado – e que vão no sentido das preocupações suscitadas pela PLATEIA, nomeadamente:

- A necessidade de determinar, no aviso de abertura, montantes financeiros disponíveis e número máximo de entidades a apoiar por região.

- A previsão de, no caso de candidaturas a apoios bienais, os requisitos para o segundo ano e seguintes poderem assumir uma forma sintética.

- A explicitação, para efeitos de avaliação, de um escalonamento da relação entre montante solicitado e orçamento global de despesas.

- Os programas educativos e o acolhimento de projectos/entidades emergentes como factor valorativo.

- O resultado da avaliação anterior das entidades candidatas como factor majorativo.

- A clarificação dos critérios para determinação do factor de distribuição
. Consideramos ser este um avanço gigantesco na transparência da actividade da Administração na área do financiamento público das artes. Avanço que não podemos aceitar que se perca nesta fase de discussão, por o considerarmos vital para a transparência dos processos de decisão da DGA.

- O impedimento de apoios cumulativos no âmbito da portaria.


Contudo consideramos que algumas das opções tomadas ainda não serão as mais correctas. E considerando também que a PLATEIA já definiu anteriormente as linhas de acção política que considera relevantes: Apresentamos sinteticamente – pois esta discussão tem agora carácter regulamentar e está já balizada por um Decreto-Lei – as nossas principais preocupações perante as propostas avançadas pela DGA:

- O prazo de apresentação de candidaturas: Este deveria ser de 20 dias úteis tanto no caso dos apoios (pluri)anuais como no caso dos apoios pontuais. Apesar dos volumes de trabalho exigidos aos candidatos serem diferentes não se pode esquecer que os recursos de que estes dispõem também o são. Num caso e noutro 20 dias úteis parece o prazo mínimo para a preparação de uma candidatura. Não se pode cair no erro de tentar resolver o atraso do ano corrente através de uma norma que deverá ser tendencialmente aplicada durante toda vigência do Decreto Lei já aprovado em Conselho de Ministros. Em alternativa pode-se avançar com um prazo de 20 dias úteis mas incluir uma norma transitória (nas disposições finais) que preveja um prazo mais curto para os concursos deste ano (em função do atraso e porque a discussão pública da portaria, agora em curso, já salvaguarda os imperativos de publicidade e o respectivo período de preparação das candidaturas).

- A nomeação das Comissões de Apreciação: Consideramos que “a proposta fundamentada da DGartes” referida no art 7, nº 1, deveria ser feita após parecer não vinculativo das Direcções Regionais do MC. Só esta opção é fundadora de uma relação entre DGartes e Direcções Regionais do MC que co-responsabilize todas as partes pelo sucesso do procedimento em curso.

- As alterações ao aviso de abertura e os montantes disponíveis para cada área artística: O artigo 8, nº 3 da proposta prevê alterações em função das “candidaturas apresentadas” enquanto o artigo 6, nº 2 prevê a distribuição de montantes financeiros por área artística em função das “candidaturas válidas recepcionadas”. Parece-nos mais correcta uma uniformização de critérios com utilização exclusiva do factor “candidaturas validas recepcionadas” pois só este é relevante para os fins do concurso, nomeadamente a correcção de assimetrias regionais.

- A pontuação dos factores de majoração: A redacção do art 8, nº 6 pode ser melhorada para que fique claro que se a majoração é de dois pontos por factor ou de dois pontos pela acumulação de todos os factores.

- O apoio continuado do MC num período superior a dez anos como factor de majoração: Cria-se aqui uma situação estranha em que, em certa medida, um critério de admissão - formulado no art 3, nº 1 a) e que já acautela devidamente o perfil dos candidatos e os investimentos anteriores do estado - é repetido como factor de majoração. E mais ainda por se tratar de um factor de majoração que reporta a factores externos e não às características internas do projecto, não permitindo aferir “qualidade, exemplaridade e representatividade” mas apenas fortalecendo a possibilidade de cristalização do que já não serve estes requisitos. Seria mais correcto não utilizar este “factor externo”como factor de majoração. E utiliza-lo apenas como factor de admissão, podendo aqui a DGA, se assim o entendesse, apertar mais a “malha de entrada” apresentada no artigo 3º.

- A localização fora das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto como factor de majoração: A inclusão da área metropolitana do Porto neste raciocínio parece-nos completamente ilógica por várias razões, nomeadamente:

- A área metropolitana do Porto faz parte da região Norte que nos últimos quatro anos, e na sequência de erros dos serviços do extinto IA durante a preparação do concurso de 2004, foi claramente descriminada pelo financiamento do estado, que se encontra em patamares muito abaixo da média nacional (cerca de 50%).

- A Região Norte, onde se insere a área metropolitana do Porto, apresenta um PIB per capita de cerca de metade da média da União Europeia. Ao contrária da Região de Lisboa e Vale do Tejo, onde se insere a área metropolitana de Lisboa, onde o PIB per capita é convergente com a média europeia.

- A área metropolitana do Porto estrutura-se à volta da cidade do Porto, onde nos últimos seis anos se assistiu a um impiedoso ataque autárquico ao serviço público na área da cultura, que levou até ao encerramento do único Teatro Municipal. Ao contrário da cidade de Lisboa, centro da sua área metropolitana, onde a autarquia nunca deixou de investir na dinamização cultural, nomeadamente através dos seus três teatros municipais.

- Na área metropolitana do Porto, ao contrário da de Lisboa, e na sequência do que atrás se disse, o tecido profissional está desgastado, em fuga, e sem uma indústria audiovisual que possa sustentar a sua consolidação; A indústria cinematográfica nunca passou pela cidade e as poucas empresas ligadas à produção para televisão encontram-se também numa situação de crise.

Equiparar Porto e Lisboa, para efeito desta cláusula, é um atentado à igualdade de tratamento dos cidadãos a que a Constituição da República obriga. Verdadeiramente inaceitável.


- A possibilidade de despacho com critérios adicionais: Não nos parece que a possibilidade aberta pelo art 8, nº 8 seja aceitável no âmbito de um Estado de Direito em que se procura uma relação transparente entre Administração e cidadãos (que seria posta em causa pela mudança de regras poucos dias antes do concurso, sem a publicidade e discussão a que está sujeita uma alteração de Portaria).

- Quanto à transição de candidaturas entre modalidades: Seria mais correcto impor à Comissão de Apreciação a obrigatoriedade de propor esta transição. Isto sempre que a pontuação atingida por uma candidatura preveja a sua exclusão de apoio no respectivo concurso mas indique a possibilidade de apoio numa modalidade mais curta.

- Quanto às autorizações relativas a direitos de autor e conexos: A exigência do art 12, 1, c) deveria ser expressamente restrita ao primeiro ano de actividade a que se refere o projecto (isto no caso dos apoio plurianuais). Só assim se respeita a tendência que o art 5, nº 2 parece querer marcar.

- O início dos procedimentos: A opção do artigo 17 é inaceitável. O procedimento deveria arrancar, o mais tardar, no fim do primeiro semestre do ano civil anterior àquele a que se reporta o início da sua atribuição. Só assim pode haver uma planificação e gestão, por parte dos agentes, que faça justiça ao investimento do estado.

- A cumulação de apoios: O artigo 29 peca por não impedir a cumulação de apoios por parte do mesmo director artístico. Consideramos que só a recuperação do impedimento previsto na Portaria 1316/2003 de 27 de Novembro pode dar credibilidade ao sistema de financiamento – impedindo, na prática, o duplo financiamento das mesmas pessoas, ratio legis do referido artigo.

- Quanto às primeiras obras: A proposta persiste em não prever uma consignação, de parte do orçamento disponível para projectos pontuais, a uma categoria de “primeiras obras”. Consideramos que assim se persiste num erro crasso que afunda as novas gerações e impede a normal regeneração do tecido criativo.

- Quanto à não separação de áreas programáticas: Voltamos a chamar a atenção para o facto de a não separação de áreas programáticas levantar sérios problemas de avaliação. Pressupondo este processo de avaliação um carácter marcadamente relativo – isto é, que exige comparação entre candidatos – a não separação de áreas, nomeadamente programação e criação, leva a que se tente comparar o incomparável. Este facto acaba inevitavelmente por ser um dos pontos através dos quais a seriedade do procedimento é posta em causa pelos candidatos insatisfeitos com o resultado final. Compreendemos a dificuldade de resolver esta questão sem aumentar desmedidamente o peso burocrático dos procedimentos; Mas não podemos deixar de chamar a atenção para esta situação.