Assimetrias regionais - Resposta à Direcção Geral das Artes

Ex.mo Senhor Director Geral das Artes,

Embora não tenhamos disso feito destaque no nosso comunicado de 29 de Outubro último, a PLATEIA reconhece e valoriza o esforço de toda a equipa que na Direcção-Geral das Artes, ao longo dos últimos meses, procedeu à reformulação das normas de apoio às artes.

A PLATEIA reconhece nomeadamente que os representantes do sector foram efectivamente consultados num processo dinâmico - em que se partilharam opiniões, perspectivas e documentos de trabalho. E não será demais dizer que foi esta a primeira vez que, neste sector, a consulta aos agentes deixou de ser uma mera formalidade para ter a dignidade a que a lei e a Constituição obrigam. Incluíram-se assim nos documentos finais diversas sugestões da PLATEIA e houve, de facto, um esforço da DGArtes para que os novos diplomas formassem um todo coerente em que os objectivos políticos se concretizassem em critérios de avaliação objectivos e sindicáveis.

Mais, o facto de terem de terem sido consideradas sugestões emanadas pelos profissionais do sector, PLATEIA incluída, e os encómios que Vossa Exa. dirige ao papel por nós desempenhado na resposta que nos endereçou a 31 de Outubro, devolvem aos agentes das artes a dignidade que nem sempre lhes é reconhecida no discurso político. Acredite Vossa Exa. que estamos por tudo
isso reconhecidos e acreditamos que este é mesmo o único caminho possível para um desenvolvimento sustentável das artes em Portugal.

Está certo o senhor Director-Geral quando reconhece nos nossos escritos uma preocupação com os públicos, i.e., com a população da região Norte onde é sedeado o nosso trabalho. Essa é a razão pela qual parametrizamos as nossas reflexões em número de habitantes e razões per capita do investimento.

Entenda ainda que a nossa preocupação com a Região Norte é de facto uma preocupação com o todo nacional. Não pode um país, principalmente com as dimensões do nosso, ter regiões com taxas de investimento tão díspares no desenvolvimento das artes, área actualmente reconhecida como de enorme potencial de crescimento e de dinamização do ambiente socio-económico.

Contudo não podemos agora deixar de manifestar a nossa profunda oposição à leitura que Vossa Exa. faz dos números relativos ao apoio às artes no território nacional. Aliás os números constantes na resposta ao nosso comunicado não se opõem realmente aos números por nós apresentados como abaixo demonstraremos. E não podemos aceitar que essa leitura incorrecta de dados objectivos possa servir para mais uma vez sustentar soluções que são de facto iníquas. E consideramos iníquas as soluções que não avançam devidamente na correcção das assimetrias regionais, não respeitando assim os objectivos consagrados, em particular, no Decreto Lei 225/2006, na versão dada pelo DL 196/2008, e em geral no programa do governo apresentado a sufrágio pelo Partido Socialista.

Alguns esclarecimentos prévios são necessários para desde logo se entenderem os diferentes pressupostos de ambos comunicados, demonstrando, como acreditamos, o maior significado da nossa leitura face à da DGArtes.


Primeiro: O universo considerado

Só pode estabelecer-se comparação entre universos equivalentes. Ora, a DGArtes ao comparar os valores disponibilizados no último aviso de abertura, que pela primeira vez incluem “Artes Plásticas e Fotografia” com os disponibilizados para 2005, que não incluíam esta área, compara o incomparável. A PLATEIA, tanto por esta razão operativa como porque o seu objecto é as artes do espectáculo, utiliza apenas os valores de “Cruzamentos Disciplinares”, “Dança”, “Música” e “Teatro”.


Segundo: O termo de comparação

Utiliza a PLATEIA como termo de comparação os valores decididos para 2007 e 2008, já que é essa a última decisão política e é esse o assunto em discussão. Consideramos de pouco interesse a comparação feita pela DGArtes com os valores referentes a 2005, tanto porque não é de facto a última decisão política como porque, sendo mais longínquos, são valores mais afectados pela inflação. Irrelevante é a comparação com valores de 2008 que diferem dos de 2007 apenas por razões administrativas (incumprimentos por parte de algumas estruturas) e não por qualquer decisão política. Claro que reconhecemos que um e outro termos de comparação produzem números que transmitem uma mais bonita ideia de crescimento.


Terceiro: Factores de correcção

Qualquer valor de crescimento do investimento terá de ser corrigido pelo menos com o factor inflação. Quando a DGArtes usa como termo de comparação valores de 2005 deverá corrigi-los tendo em conta que a média de inflação anual no quadriénio aí iniciado foi superior a 2,5% o que implica que o crescimento real é inferior ao valor apresentado em mais de 10%.


Quarto: Critério de aferição da correcção das assimetrias regionais

O índice populacional, que sempre a PLATEIA tem utilizado nas suas fundamentações, é o factor de referência sempre que, em qualquer instância, se queira discutir seriamente o desenvolvimento e a correcção de assimetrias regionais. Nem a injustificada alteração ao número 2 do artigo 6o do DL 225/2006 que fez desaparecer este factor da sua redacção, retira o valor óbvio do índice populacional como critério de aferição da efectiva correcção das assimetrias regionais.

Tendo em conta os pressupostos atrás enunciados, pedimos a Vossa Exa. atenção para as tabelas que seguidamente apresentamos.


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Como objectivamente pode constatar-se, a região Norte não foi a que mais cresceu e esse crescimento quedou-se pelos 19%, pouco acima da média nacional de 14%. Uma vez que a taxa de inflação nos anos de 2007 e 2008 se situa entre os 2,5 e os 3%, o crescimento real do investimento foi menor em cerca de 6% do que consta na TABELA 1.

É obviamente positivo constatar que, apesar da conjuntura internacional negativa e da redução do orçamento para a Cultura no O.E. 2009, existe, mesmo assim, um aumento real do investimento nas Artes Cénicas. Mas importa avaliar se existe evolução no sentido da correcção das assimetrias regionais. Para isso verificámos a distribuição por região e por habitante, determinando também o número de estruturas que a DGArtes prevê apoiar em função do número de habitantes de cada região.

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O Investimento per capita na Região Norte mantêm-se de longe o mais baixo no todo nacional e pouco acima de metade do Investimento Médio per capita do país (na TABELA 3 é comparada a evolução relativamente a 2007). Também ao nível da oferta potencial aos habitantes de cada região, a Região Norte é de longe a pior posicionada, existindo um número próximo dos 100 mil habitantes por estrutura a apoiar em 2009, o que se cifra em mais do dobro do que em quase todas as regiões. A excepção é a Região Centro, também bastante maltratada neste aspecto. E acreditamos que as políticas têm de servir para deformar positivamente o que no terreno existe, fruto de iniciativa privada, no sentido de uma oferta democraticamente distribuída no todo nacional. E os concursos de apoio agora em curso são o instrumento político por excelência para atingir esse objectivo.

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Verifica-se um aumento do investimento per capita em todas as regiões, sendo o aumento mais significativo na Região do Algarve. Mas, uma vez que o termo de comparação – apoios para o ano 2007 – é de grande desequilíbrio de investimento entre as várias regiões, importa perceber se estes aumentos de investimento correspondem a uma evolução para o equilíbrio. Fazemos uma primeira aproximação a esta avaliação com os dados da coluna “Evolução Necessária para o equilíbrio”, considerando a convergência de todas as regiões para a média nacional de investimento per capita. A comparação destes valores com os constantes na coluna “Evolução Real do Investimento” confirma que essa convergência não existe.

No entanto, considerando que a região capital do país deve ser objecto de um maior investimento público, aperfeiçoamos a avaliação da evolução para o equilíbrio entre regiões nas duas tabelas que seguem.

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Senhor Director Geral das Artes, o tempo profundo, quase geológico diríamos, em que a DGA pretende corrigir as assimetrias regionais, não serve a uma sociedade humana que se deve projectar, pelo menos, para a próxima geração. Por isso a PLATEIA vai alargar agora esta discussão às autoridades de âmbito mais vasto, nomeadamente ao Ministério da Cultura, Gabinete do Primeiro-ministro, Conselho de Ministros, Assembleia da República e respectivos grupos parlamentares e Presidência da República.

Estamos certos de contar com o empenho de Vossa Exa. nesta discussão que tanto importa ao desenvolvimento sustentado de Portugal.

Com os nossos melhores cumprimentos,
A Direcção da PLATEIA