Proposta à Assembleia da República para alteração da inscrição orçamental do Apoio às Artes


Nos últimos 4 meses a PLATEIA reuniu sucessivamente com todos os grupos parlamentares da Assembleia da República, mais precisamente com os(as) deputados(as) Michael Seufert do Partido Popular, Catarina Martins do Bloco de Esquerda, Diana Ferreira do Partido Comunista Português, Gabriela Canavilhas do Partido Socialista, José Luís Ferreira do Partido Ecologista “Os Verdes” e Conceição Pereira do Partido Social Democrata.

Em todas as reuniões a PLATEIA apresentou aos Grupos Parlamentares uma proposta que visa alterar o modo como a despesa do Apoio às Artes é inscrita no Orçamento de Estado. E o que propomos, em síntese, é a inscrição plurianual das despesas de Apoio às Artes 2017/2020 (anuais, bienais e quadrienais) já no Orçamento de 2016, a aprovar dentro de poucos meses na Assembleia da República.

E esta ronda de contactos aconteceu precisamente enquanto decorria um concurso de Apoio às Artes cujos resultados foram conhecidos tão tarde – relativamente ao ano a que respeitam – que foi necessário prescindir da Audiência de Interessados. Ou seja, em 2015, à instabilidade económica, social e profissional do setor – anualmente replicada pelo timing dos concursos – somou-se a instabilidade das garantias do particular perante a administração.

A PLATEIA apela aos Grupos Parlamentares da Assembleia da República para que seja possível a aprovação da inscrição plurianual das despesas de Apoio às Artes 2017/2020  no Orçamento de 2016 permitindo assim a abertura no primeiro semestre de 2016 dos respetivos concursos (quadrienal 17/20, bienal 17/18 e anual 17), nos seguintes termos:




O APOIO ÀS ARTES E A PLURIANUALIDADE DA DESPESA

O CONTEXTO ECONÓMICO E LEGAL

A contração da despesa pública, ao longo dos últimos anos, teve um efeito particularmente forte no apoio público às artes, com cortes na ordem dos 50%. Naturalmente, esta situação, em articulação com a contração geral da economia, teve consequências pesadas para o setor, com a falência de organizações e o aumento da precariedade entre os profissionais. Assim, e seguindo uma lógica dominante, não só em Portugal mas também na Europa, as discussões políticas foram-se centrando na oposição linear entre a necessidade de mais investimento e a impossibilidade de mais despesa. E foi neste contexto que lentamente se abriu a oportunidade para práticas administrativas que - não tendo uma relação direta com o aumento/diminuição da despesa pública - penalizam de forma grave e desnecessária a atividade do setor.

O Apoio às Artes é uma obrigação do Estado, nos termos do DL 196/2008 de 6 de outubro (que alterou o DL 225/2006 de 13 de novembro) e respetiva regulamentação, onde se estabelece uma tramitação administrativa longa e exigente. E no que toca aos apoios Quadrienais, Bienais e Anuais, resulta que estes correm em função de anos civis, tanto mais que os candidatos aprovados estarão sujeitos a termos de execução e obrigações contabilísticas que dependem do ano civil.


AS PRÁTICAS ATUAIS

O que se tem passado então é um progressivo deslizar da abertura de concursos, para um momento posterior à aprovação do Orçamento de Estado do ano a que respeitam. Isto significa que - de 4 em 4 anos para os procedimentos Quadrienais, de 2 em 2 anos para os procedimentos Bienais e todos os anos para os procedimentos Anuais – vemos instalada uma situação lamentável: A abertura de concursos, para caderno de encargos que se inicia em 1 de janeiro, ocorre apenas em novembro/dezembro do ano anterior, prolongando-se o respetivo procedimento administrativo – por força da lei – pelo menos até maio, altura de uma decisão final.

Significa isto que os candidatos são confrontados com a necessidade de – ao arrepio da segurança e certeza jurídica própria de um Estado de Direito – optar por uma de duas vias: Ou aguardar pelo fim do procedimento para iniciar a atividade proposta, o que significará, no caso de sucesso da candidatura, uma imediata violação do caderno de encargos; Ou, em alternativa, iniciar o plano de atividades proposto logo a 1 de janeiro, arriscando, em caso de não aprovação da candidatura, uma absoluta derrocada financeira, por se assumir isoladamente um plano desenhado para uma relação com o Estado.

Esta situação é extremamente lesiva da produção da criação artística lançando constantes movimentos de instabilidade nas organizações, num processo degradante – humilhante, mesmo - da condição dos profissionais do setor. Naturalmente, compreende-se que o país, como um todo, tenha de aguardar pelo orçamento do ano seguinte, o que não se compreende é que - nesta articulação particular entre o tipo de atividade que o Estado se propõe financiar e os modos da sua execução – seja aceitável este recorrente momento de impasse. Tanto mais que é já prática comum que as despesas relativas ao segundo, terceiro e quarto ano dos Apoios Quadrienais (e ao segundo dos Bienais) sejam inscritas no Mapa XVII anexo ao Orçamento de Estado dos respetivos primeiros anos, enquanto despesas plurianuais, salvaguardando assim alguma estabilidade. Mas não impedindo, contudo, que no que toca ao primeiro ano dos ciclos Quadrienais e Bienais, e a todos os ciclos Anuais, o caos seja absoluto.

A PROPOSTA

Parece-nos imperioso que – sem tocar no volume da despesa pública – se salvaguarde a dignidade do paradigma nacional de Apoio às Artes, inscrevendo – tal como já acontece em parte – as despesas de Apoio às Artes , relativas a programas Quadrienais, Bienais e Anuais – de modo plurianual, no orçamento do ano anterior ao do início de cada ciclo Quadrienal.

Assim, nos termos do art. 4.º, n.º 3, da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto (Lei de Enquadramento Orçamental), vem propor-se a aprovação de uma despesa plurianual para o quadriénio 2017/2020, a inscrever no Mapa XVII da lei do Orçamento de Estado para 2016, relativa ao concurso Quadrienal de Apoio às Artes 2017-2020, aos concursos Bienais 2017/2018 e 2019/2020 e aos concursos Anuais 2017, 2018, 2019 e 2020.

Estamos conscientes, obviamente, da dificuldade associada à necessidade de, por um lado, agilizar o funcionamento da máquina do Estado e o seu impacto na economia; E, por outro lado, salvaguardar o Estado da acumulação de encargos para anos posteriores e em cenário macro-económico progressivamente incerto. Mas acreditamos que confrontando a pequeníssima escala dos valores em causa – no contexto do Orçamento de Estado – com o profundo impacto da inscrição plurianual solicitada, no setor, a melhor opção será a que agora apresentamos.

DETALHES DA EXECUÇÃO

Importa também notar que a inscrição plurianual das despesas, aqui proposta, não teria de impedir a consideração de eventuais alterações do cenário macro-económico. Por um lado, e no que poderia inquietar o setor, não deixaria de ser possível um reforço de verbas caso o cenário macro-económico o permitisse e a política vigente o entendesse. Por outro lado, no que poderia inquietar o Estado, o Mapa XVII expressa sobretudo uma vontade política que não compromete juridicamente o Estado, que poderá sempre socorrer-se de uma Lei de Orçamento posterior para traçar alterações. Tanto mais que os acordos celebrados entre o Estado e os agentes do setor - referimo-nos ao início dos ciclos Quadrienais e Bienais - não configuram, substancialmente, verdadeiros contratos, sendo antes protocolos, em que o Estado reserva para si próprio a possibilidade de impor alterações unilaterais.

Deste modo, a inscrição da despesa solicitada, já no Orçamento para 2016, iria permitir que os concursos relativos a 2017 abrissem (com despacho do Secretário de Estado da Cultura, sob proposta da DGArtes, nos termos do artigo 3º da Portaria 1189-A/2010 de 17 de novembro) no primeiro semestre de 2016, concluindo-se as respetivas tramitações até ao final do verão. E esta boa prática poderia repetir-se nos anos subsequentes, trazendo estabilidade, eficiência e dignidade ao setor e aos seus agentes. E claro, colocando Portugal no campo das melhores práticas, a nível europeu, no que diz respeito ao Apoio às Artes. Sem tocar no volume da despesa pública.