Intervenção PLATEIA - Manifestação Nacional pela Cultura


©Sofia Príncipe


Não iremos citar a frase de Churchill sobre a importância da cultura depois da guerra, porque temos um exemplo português muito melhor:
“Falaram de um Ministério da Cultura. Pois é, é muito importante. Mas mais importante do que termos um Ministério da Cultura, é termos um Governo de Cultura”. 
Esta frase fez parte da intervenção de António Costa, durante a campanha eleitoral em 2015, quando fazia da Cultura a bandeira para o seu governo. 
Passaram 5 anos e o que é certo é que Costa não está com a Cultura. 
A pandemia, que obrigou o mundo inteiro a parar, apenas expôs as fragilidades e os problemas de um sector que há muitos anos, (mesmo muitos), vive com um sub-financiamento crónico e tenta sobreviver e trabalhar entre os pingos da chuva de uma falta de visão para a política cultural para o país. 
Neste momento, o cenário que vivemos é sem precedentes e se quiséssemos colocar em palco a forma como o Ministério da Cultura (o tal que faz parte de um Governo de Cultura), se quiséssemos colocar em palco a forma como está a lidar com a situação, não era a farsa, a tragédia e nem o absurdo que nos serviriam porque aqui estamos mesmo a falar de má dramaturgia. 
Nos últimos três meses grande parte das atividades culturais e artísticas pararam e como as práticas laborais e os regimes de proteção social para quem trabalha na cultura são desastrosos, há milhares de pessoas com uma perda total de rendimentos, e irá demorar meses, senão anos, para que todas consigam retomar as suas actividades. 
Não, não está tudo bem, e não, autorizar a abertura dos teatros não significa que consigamos  regressar ao trabalho. 
Antes de pensarmos no futuro, é urgente corrigir  o que nestes três meses ficou por fazer: 
há dezenas de Câmaras Municipais e outras entidades que trabalham com fundos públicos  que não estão a cumprir com os seus compromisso: não pagam espectáculos e actividades canceladas, não respondem a emails ou telefonemas e retiram, até o seu financiamento a estruturas culturais, desrespeitando os acordos.
há salas de espetáculos e outros equipamentos culturais que também não estão a cumprir com qualquer compromissos quanto aos espectáculos cancelados , e há ainda equipamentos culturais que estão a despedir trabalhadores precários, falsos recibos verdes, e que não consideram os Serviços Educativos e Frentes de Casa como parte das equipas. 
Estão a ser desviadas verbas destinadas para o Programa Cultura para Todos, de projectos que já estavam em fase avançada de contratualização e para os quais já estavam equipas a trabalhar há vários meses. O cancelamento desses projectos é uma manobra que não podemos aceitar: não só porque falamos de inúmeros projetos artísticos e das centenas de pessoas que neles trabalham, como porque com o seu cancelamento milhares de pessoas a quem este projeto se destina ficarão privadas deste projeto e do acesso às práticas artísticas que lhe iriam proporcionar. E apesar de a Ministra da Cultura ter dito à Comunicação Social que este projecto não está cancelado, ainda hoje soubemos do cancelamento abrupto de mais um destes projectos do Cultura para Todos que iria ser desenvolvido até 2023. Se não estão a mentir-nos, então é melhor esclarecem-nos. 
O Governo continua sem ser capaz de criar medidas que garantam a sobrevivência das centenas de projectos artísticos e culturais, espalhados por todo o território nacional, que desenvolvem um trabalho fundamental de mediação de públicos, serviços educativos, trabalho com a comunidade, criação artística e literária, promoção de pensamento, de geração de massa crítica, de capacitação de populações, de experimentação de novas formas artísticas e linguagens, e cujo desaparecimento será uma perda irreparável para todos. 
    Sem medidas robustas, os efeitos desta crise na cultura e nas artes tornar-nos-á mais pobres e mais desiguais, muitas comunidades ficarão mais excluídas, e ser-lhes-á  retirado um direito constitucional: o direito à cultura e à fruição artística, independentemente do lugar onde vivem e do dinheiro que têm. Não compreender isto, não compreender a importância e a matéria de que é feito o tecido cultural do país, é não ter ideia do que se quer realmente para o país. 
    O governo continua também sem ser capaz de criar respostas para a situação dramática da vida de milhares de trabalhadores e trabalhadoras do setor. 
    Neste momento é urgente trabalhar a dois tempos: o AGORA (mais urgente do que nunca!), e o FUTURO (o futuro próximo e, sobretudo, um futuro longe, que precisa de políticas estruturais para que definam os próximos trinta anos. A construção de uma política cultural , comprometida, que sobreviva aos governos e aos ministros, que se inscreva de forma expressiva no orçamento do estado, e que atravesse as nossas vidas - as nossas e as dos públicos - sem pensos rápidos nem promessas eleitorais.
    Para o AGORA, precisamos de uma resposta de emergência para quem foi descartado e continua sem nada, garantir a sua proteção social, que deve resultar de um  fundo para apoio direto. Precisamos de uma linha de financiamento para a recuperação do setor e das atividades culturais e artísticas que resgate cada projeto, cada estrutura, cada obra, que não têm preço nem nunca terão  e de uma linha de financiamento para dar conta das novas regras para reabertura dos espaços. 
    Para o FUTURO, exigimos um compromisso político. É absolutamente necessário que haja uma articulação dos programas de financiamentos para o setor. A política cultural do ministério, das regiões ou dos municípios tem de se cruzar e de estar articulada para que se garanta a abrangência territorial

    É preciso ter a certeza que a rede de cine-teatros irá beneficiar de um orçamento específico, que não concorra com nenhum outro na área da cultura, e que será capaz de potenciar investimentos em cada lugar e revertê-los para toda a população de forma abrangente É necessário mudar a cultura laboral dos vínculos precários e ilegais no setor e garantir proteção social para todos. Nenhuma destas medidas será possível sem a coragem de realizar, de facto um aumento significativo do peso da Cultura no  orçamento do estado. 1% para a cultura. Não basta dizer que será um Governo de Cultura. Um Governo que se diz de Cultura tem de assumir a sua prioridade nas políticas públicas e a sua inscrição no orçamento. 
    Hoje saímos à rua. Ocupamos as escadarias do Teatro Lethes, em Faro, ocupamos o Rossio, em Lisboa, ocupamos a Avenida dos Aliados, no Porto. Cada corpo dá voz a um mesmo grito que clama por direitos, justiça e proteção social para quem trabalha na cultura e nas artes, reafirmando a urgência do investimento na vida cultural e nas práticas artísticas, em protesto contra a inaceitável falta de respostas à grave crise que a pandemia trouxe a este setor.
    Uma política cultural que garanta os direitos culturais da população, capaz de produzir e transmitir conhecimento, de qualificar e democratizar a sociedade não se faz com 0,28% do orçamento. 
Esta pandemia pôs a nu os resultados das más práticas e das más políticas para a cultura
Agora que abrimos os olhos, façamos o indispensável -  

1% já neste orçamento! 

1% já neste orçamento! 
1% já neste orçamento! 
1% já neste orçamento! 
1% já neste orçamento!

4 de junho 2020