carta à Ministra da Cultura - financiamento sustentado na Região Norte
Foi conhecida na semana passada a decisão final da Comissão de Apreciação relativa ao concurso a apoio sustentado à criação e produção de artes do espectáculo na Região Norte. O resultado desta decisão, bem como das decisões anteriores que a condicionaram, representa um grave atentado às estruturas de criação e produção desta região e põe em causa a sobrevivência de um tecido técnico e criativo capaz de dar resposta às necessidades culturais de uma das zonas mais povoadas do país.
Para a compreensão de todo este processo é necessário analisar as decisões políticas que antecederam o trabalho da Comissão de Apreciação. Desde logo a decisão relativa aos montantes de financiamento a concurso. Foram atribuídos à Região Norte os montantes de financiamento às artes do espectáculo mais baixos do país, quer por projecto a financiar quer por habitante. E mais grave ainda, o Instituto das Artes anunciou levianamente que os valores propostos representavam um aumento de 24% em relação a anos anteriores. O que é mentira. Este modelo de concurso é novo e não pode ser comparado com o anterior. Projectos que eram financiados por diferentes concursos passam a ser financiados só por um e os concursos anuais desapareceram, assim como, julga-se, os reforços extra concurso (que foram atribuídos excepcionalmente para minorar problemas que a abertura destes concursos supostamente resolve). Temos assim um aumento de 9%, sendo optimista. Aumento esse que na realidade não tem qualquer impacto. As sucessivas decisões de parar concursos para introduzir o novo modelo, renovando automaticamente os contratos anteriores, tiveram como consequência o não aumento de financiamento nos últimos dois anos (nos contratos anuais), quatro anos (nos contratos bianuais) e seis anos (nos contratos quadrienais). Assim, se pensarmos na inflação neste período é fácil compreender que, em vez de um aumento de investimento, este concurso representa claramente um desinvestimento nas artes do espectáculo nesta região. O que é inaceitável e irresponsável.
A Região Norte assistiu nos últimos dez anos à multiplicação do número de salas de espectáculos, escolas artísticas e eventos culturais que em muito se deve à actividade das estruturas de criação e produção de artes do espectáculo da região. É essa actividade que alimenta este crescimento e justifica o investimento feito. E estas estruturas têm tido sistematicamente um financiamento estatal objectivamente reduzido quando comparado com o todo nacional. Todos os profissionais das artes do espectáculo (actores, bailarinos, coreógrafos, encenadores, músicos, produtores, profissionais técnicos e criativos das mais diversas valências) têm trabalhado com remunerações muito inferiores às praticadas noutras regiões, e em condições muito precárias, acreditando verdadeiramente que o crescimento de uma nova dinâmica cultural e artística, que prova não só a sua competência como também a vitalidade de toda a região, é desejada por todos e é essencial ao desenvolvimento do país. E quando finalmente chega a possibilidade de um concurso que contemple esse crescimento, depois dos sucessivos adiamentos e consequente renovação automática do subfinanciamento, tudo fica na mesma. O que é igual a dizer que tudo fica pior.
É necessário analisar os resultados e compará-los com os dos anos anteriores para que se perceba bem a dimensão da desilusão.
Na área da dança foram seleccionadas para financiamento as três estruturas que se candidataram e que já tinham financiamento não pontual (ou seja, anual ou bianual – no caso da dança não existiam até agora contratos quadrienais). A desilusão acontece porque o aumento de financiamento anunciado na abertura de concurso não aconteceu. Metade do montante previsto para a área da dança foi canalizado para a área do teatro já depois do concurso estar a decorrer, pelo que não se resolveu de forma alguma o grave problema de subfinanciamento da dança na Região Norte. A média de financiamento por estrutura nesta área na Região Norte é de cerca de metade da média nacional e o financiamento mais alto não chega a 40% do financiamento mais alto atribuído a nível nacional.
A área da música é a que conhecemos menos bem, já que a PLATEIA é uma associação de profissionais das artes cénicas. Ainda assim não podemos deixar de notar com preocupação que nesta área, comparando os valores agora anunciados com os valores atribuídos anteriormente, se verifica uma diminuição do financiamento estatal!
Na área do teatro é porventura onde se levantam mais problemas: é a área onde há mais candidaturas e onde se desinvestiu mais. Logo na abertura do concurso foram anunciados um número máximo de estruturas a financiar e um montante de financiamento disponível para esta área que representavam um corte abrupto no financiamento ao teatro na Região Norte. Não sabemos como se chegou a esses números, mas rapidamente a Delegação Regional da Cultura do Norte, o Instituto das Artes e o Ministério da Cultura deram conta do erro grosseiro e tentaram corrigi-lo desviando financiamento das outras áreas artísticas (dança, música e transdisciplinares/pluridisciplinares) para esta área e aumentando o número de estruturas a apoiar (de 16 para 21). Esta medida não serviu ninguém: baixou o financiamento em áreas que já tinham problemas de subfinanciamento e não conseguiu resolver o problema da área de teatro; a média de financiamento por estrutura a atribuir neste concurso diminuiu (e já era a mais baixa do país), não há um crescimento significativo no número de estruturas apoiadas (são financiadas pela primeira vez em concurso não pontual apenas três estruturas e foi excluída uma estrutura que tinha apoio anual em 2004) e os financiamentos agora atribuídos representam mesmo uma quebra de financiamento para cerca de um terço das estruturas financiadas. A média de financiamento por estrutura não chega a dois terços da média nacional e o financiamento mais alto não chega a metade do financiamento mais alto atribuído a nível nacional.
A área de transdisciplinares/pluridisciplinares não existia ainda no âmbito de concursos não pontuais. O que verificamos é que os candidatos agora financiados nesta área eram anteriormente financiados pelas outras áreas artísticas, não tendo aparecido nenhum projecto novo nem se verificando um aumento significativo de financiamento a nenhuma destas estruturas. Verificamos assim que o aparecimento desta área específica como forma de permitir avaliar correctamente certo tipo de projectos normalmente subfinanciados quando incluídos noutras áreas não teve qualquer efeito na Região Norte. Comparando os valores atribuídos a nível nacional concluímos que a média de financiamento por estrutura não chega a dois terços da média nacional e que o financiamento mais alto atribuído representa pouco mais de um quarto do financiamento mais alto a nível nacional.
O financiamento atribuído neste concurso tem consequências muito mais vastas do que a viabilização deste ou daquele projecto. O que está em causa é toda uma dinâmica cultural e económica da região. As artes do espectáculo são naturalmente uma área em que o financiamento estatal por concurso aos criadores tem grandes repercussões: o público só tem acesso às artes do espectáculo através das apresentações ao vivo, quer falemos de património ou de criação contemporânea. E tendo neste momento a Região Norte novos equipamentos para que o público possa usufruir das artes do espectáculo, é particularmente perigoso desinvestir nas estruturas que possibilitam a programação desses espaços. É muito importante também não esquecer que em Portugal, à excepção de Lisboa (onde a televisão e o cinema são também fonte de rendimento dos profissionais de espectáculo), as estruturas privadas de criação e produção das artes do espectáculo são as únicas empregadoras, pelo que desinvestir nessas estruturas é impossibilitar a manutenção de um tecido profissional criativo e técnico. Não adianta dizer que daqui a dois ou quatro anos abrirá um novo concurso com novos meios e um novo olhar sobre a Região Norte. Se nada se fizer agora os profissionais terão desaparecido para outras regiões ou outras áreas profissionais e todo o trabalho de formação e sensibilização de públicos estará perdido.
Anexamos a esta carta um documento com uma análise de outros problemas que este processo levantou e que são igualmente importantes para sua a avaliação.
Acreditamos que a Senhora Ministra tudo fará para afastar o negro horizonte que se desenha para as artes do espectáculo na Região Norte, e desde já solicitamos a Vossa Excelência que nos conceda uma audiência para análise da actual situação.
Para a compreensão de todo este processo é necessário analisar as decisões políticas que antecederam o trabalho da Comissão de Apreciação. Desde logo a decisão relativa aos montantes de financiamento a concurso. Foram atribuídos à Região Norte os montantes de financiamento às artes do espectáculo mais baixos do país, quer por projecto a financiar quer por habitante. E mais grave ainda, o Instituto das Artes anunciou levianamente que os valores propostos representavam um aumento de 24% em relação a anos anteriores. O que é mentira. Este modelo de concurso é novo e não pode ser comparado com o anterior. Projectos que eram financiados por diferentes concursos passam a ser financiados só por um e os concursos anuais desapareceram, assim como, julga-se, os reforços extra concurso (que foram atribuídos excepcionalmente para minorar problemas que a abertura destes concursos supostamente resolve). Temos assim um aumento de 9%, sendo optimista. Aumento esse que na realidade não tem qualquer impacto. As sucessivas decisões de parar concursos para introduzir o novo modelo, renovando automaticamente os contratos anteriores, tiveram como consequência o não aumento de financiamento nos últimos dois anos (nos contratos anuais), quatro anos (nos contratos bianuais) e seis anos (nos contratos quadrienais). Assim, se pensarmos na inflação neste período é fácil compreender que, em vez de um aumento de investimento, este concurso representa claramente um desinvestimento nas artes do espectáculo nesta região. O que é inaceitável e irresponsável.
A Região Norte assistiu nos últimos dez anos à multiplicação do número de salas de espectáculos, escolas artísticas e eventos culturais que em muito se deve à actividade das estruturas de criação e produção de artes do espectáculo da região. É essa actividade que alimenta este crescimento e justifica o investimento feito. E estas estruturas têm tido sistematicamente um financiamento estatal objectivamente reduzido quando comparado com o todo nacional. Todos os profissionais das artes do espectáculo (actores, bailarinos, coreógrafos, encenadores, músicos, produtores, profissionais técnicos e criativos das mais diversas valências) têm trabalhado com remunerações muito inferiores às praticadas noutras regiões, e em condições muito precárias, acreditando verdadeiramente que o crescimento de uma nova dinâmica cultural e artística, que prova não só a sua competência como também a vitalidade de toda a região, é desejada por todos e é essencial ao desenvolvimento do país. E quando finalmente chega a possibilidade de um concurso que contemple esse crescimento, depois dos sucessivos adiamentos e consequente renovação automática do subfinanciamento, tudo fica na mesma. O que é igual a dizer que tudo fica pior.
É necessário analisar os resultados e compará-los com os dos anos anteriores para que se perceba bem a dimensão da desilusão.
Na área da dança foram seleccionadas para financiamento as três estruturas que se candidataram e que já tinham financiamento não pontual (ou seja, anual ou bianual – no caso da dança não existiam até agora contratos quadrienais). A desilusão acontece porque o aumento de financiamento anunciado na abertura de concurso não aconteceu. Metade do montante previsto para a área da dança foi canalizado para a área do teatro já depois do concurso estar a decorrer, pelo que não se resolveu de forma alguma o grave problema de subfinanciamento da dança na Região Norte. A média de financiamento por estrutura nesta área na Região Norte é de cerca de metade da média nacional e o financiamento mais alto não chega a 40% do financiamento mais alto atribuído a nível nacional.
A área da música é a que conhecemos menos bem, já que a PLATEIA é uma associação de profissionais das artes cénicas. Ainda assim não podemos deixar de notar com preocupação que nesta área, comparando os valores agora anunciados com os valores atribuídos anteriormente, se verifica uma diminuição do financiamento estatal!
Na área do teatro é porventura onde se levantam mais problemas: é a área onde há mais candidaturas e onde se desinvestiu mais. Logo na abertura do concurso foram anunciados um número máximo de estruturas a financiar e um montante de financiamento disponível para esta área que representavam um corte abrupto no financiamento ao teatro na Região Norte. Não sabemos como se chegou a esses números, mas rapidamente a Delegação Regional da Cultura do Norte, o Instituto das Artes e o Ministério da Cultura deram conta do erro grosseiro e tentaram corrigi-lo desviando financiamento das outras áreas artísticas (dança, música e transdisciplinares/pluridisciplinares) para esta área e aumentando o número de estruturas a apoiar (de 16 para 21). Esta medida não serviu ninguém: baixou o financiamento em áreas que já tinham problemas de subfinanciamento e não conseguiu resolver o problema da área de teatro; a média de financiamento por estrutura a atribuir neste concurso diminuiu (e já era a mais baixa do país), não há um crescimento significativo no número de estruturas apoiadas (são financiadas pela primeira vez em concurso não pontual apenas três estruturas e foi excluída uma estrutura que tinha apoio anual em 2004) e os financiamentos agora atribuídos representam mesmo uma quebra de financiamento para cerca de um terço das estruturas financiadas. A média de financiamento por estrutura não chega a dois terços da média nacional e o financiamento mais alto não chega a metade do financiamento mais alto atribuído a nível nacional.
A área de transdisciplinares/pluridisciplinares não existia ainda no âmbito de concursos não pontuais. O que verificamos é que os candidatos agora financiados nesta área eram anteriormente financiados pelas outras áreas artísticas, não tendo aparecido nenhum projecto novo nem se verificando um aumento significativo de financiamento a nenhuma destas estruturas. Verificamos assim que o aparecimento desta área específica como forma de permitir avaliar correctamente certo tipo de projectos normalmente subfinanciados quando incluídos noutras áreas não teve qualquer efeito na Região Norte. Comparando os valores atribuídos a nível nacional concluímos que a média de financiamento por estrutura não chega a dois terços da média nacional e que o financiamento mais alto atribuído representa pouco mais de um quarto do financiamento mais alto a nível nacional.
O financiamento atribuído neste concurso tem consequências muito mais vastas do que a viabilização deste ou daquele projecto. O que está em causa é toda uma dinâmica cultural e económica da região. As artes do espectáculo são naturalmente uma área em que o financiamento estatal por concurso aos criadores tem grandes repercussões: o público só tem acesso às artes do espectáculo através das apresentações ao vivo, quer falemos de património ou de criação contemporânea. E tendo neste momento a Região Norte novos equipamentos para que o público possa usufruir das artes do espectáculo, é particularmente perigoso desinvestir nas estruturas que possibilitam a programação desses espaços. É muito importante também não esquecer que em Portugal, à excepção de Lisboa (onde a televisão e o cinema são também fonte de rendimento dos profissionais de espectáculo), as estruturas privadas de criação e produção das artes do espectáculo são as únicas empregadoras, pelo que desinvestir nessas estruturas é impossibilitar a manutenção de um tecido profissional criativo e técnico. Não adianta dizer que daqui a dois ou quatro anos abrirá um novo concurso com novos meios e um novo olhar sobre a Região Norte. Se nada se fizer agora os profissionais terão desaparecido para outras regiões ou outras áreas profissionais e todo o trabalho de formação e sensibilização de públicos estará perdido.
Anexamos a esta carta um documento com uma análise de outros problemas que este processo levantou e que são igualmente importantes para sua a avaliação.
Acreditamos que a Senhora Ministra tudo fará para afastar o negro horizonte que se desenha para as artes do espectáculo na Região Norte, e desde já solicitamos a Vossa Excelência que nos conceda uma audiência para análise da actual situação.