NOVA REGULAMENTAÇÃO DOS APOIOS A PROJECTOS PONTUAIS

ANÁLISE CRÍTICA DOS PROJECTOS DE DECRETO-LEI E PORTARIA

Considerações Gerais

Esta análise tem em consideração a declaração assumida pela tutela, e vertida no Preâmbulo do Projecto de Decreto-Lei, de que as propostas de alteração agora apresentadas têm o concreto propósito de operacionalizar os financiamentos a apoios pontuais, remetendo para data posterior uma alteração de fundo.

Existem no entanto questões de princípio que consideramos deveriam ser já consignadas, bem como algumas propostas genéricas de alteração com as quais discordamos, em coerência com o documento “Contributos para uma nova legislação sobre financiamento à criação e produção artísticas” que remetemos a V.as Ex.as no início de Agosto.


AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS

A figura da Audiência Prévia serve e interessa a todos. Tem de facto sido mal implementada, sendo as reclamações entradas por esta via sistemática e simplesmente não acolhidas. Leiam-se as audiências produzidas pelos interessados no concurso para apoio sustentado ao teatro na região norte e perceber-se-á que estavam já nelas expostos os vícios e irregularidades que são a base do litígio que mantém os financiamentos suspensos. A Audiência dos Interessados é o único mecanismo disponível para promover a clarificação de fundamentações, para que se corrijam procedimentos, para prevenir erros na promoção das artes e na distribuição dos dinheiros públicos, para que se reduzam o litígio e o pagamento de indemnizações em que o estado tem vindo a incorrer. Assim se contribui para a dignificação não só do processo como da arte contemporânea nacional.

É de interesse público que exista audiência prévia dos interessados.

Mas para além destas considerações acerca da importância da figura da Audiência Prévia, importa ainda ressalvar uma dúvida de carácter jurídico: O art.103º, nº1 al.a) do CPA prevê efectivamente que possa não haver audiência de interessados quando a decisão seja urgente. Parece-nos, no entanto, que esta decisão deverá ser casuística e devidamente fundamentada, "mediante a clara enunciação do específico interesse público a prosseguir com a decisão e tido por incompatível com a observância da audiência do interessado". Ora, o projecto de Decreto-Lei apenas diz que o procedimento é urgente e de interesse público a todo o tempo, quando, pelo espírito da lei (CPA) tal deveria resultar de procedimento administrativo no âmbito de um processo concreto. Desta forma foge-se a uma fundamentação que poderia ser alvo de oposição. Parece-nos um expediente habilidoso, porque aparentemente correcto face à lei, para eliminar a audiência de interessados, mas que na realidade mais não será, salvo melhor opinião, do que inadmissível face à lei.


EFEITO SUSPENSIVO DE PROVIDÊNCIA CAUTELAR

Compreendemos a bondade do legislador, que tenta evitar, a todo o custo, situações como a que se vive actualmente na região norte, mas ainda assim importa perceber o que está em causa no nº 6 do artigo 11º do Projecto de Decreto-Lei; A propositura de providência obviamente não proíbe a execução do acto. O que acontece é o seguinte: uma vez requerida, a providência é admitida ou rejeitada, antes de mais. Se for admitido um pedido de suspensão de eficácia de acto, a autoridade administrativa, não pode iniciar a execução do acto salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial ao interesse público.

Mas o tribunal irá sempre apreciar esta resolução e poderá julgar improcedentes as razões apresentadas pela Administração e continuar por isso a proibir a prática do acto. Ora parece-nos que se está a querer proceder a esta resolução através de decreto-lei, indo-se contra o disposto no CPTA (artigo 128º), uma vez que a mesma terá sempre de ser fundamentada e apreciada pelo tribunal. Entendemos assim, e salvo melhor opinião, que esta formulação é ilegal e eivada de inconstitucionalidade.


COMISSÕES DE ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO

As comissões de acompanhamento e avaliação são para nós um imperativo para a transparência e a responsabilização profissional dos promotores e criadores no âmbito da arte contemporânea que desde há muito reclamámos. Deve ainda mais ser do interesse do Estado como garante de um consequente e responsável investimento público. Assim julgamos que a menção a estas comissões deve ser do âmbito das “Disposições Gerais” (ou finais) do Decreto-Lei, incidindo assim sobre todos os programas de apoio, e não ser remetidas para capítulos específicos. Consideramos que as comissões de acompanhamento e avaliação terão de ser de âmbito regional, com vínculo ao Instituto das Artes, obrigação de elaborar relatórios da sua actividade e um dos seus elementos designado para intervir na apreciação das propostas provenientes da região em que exerce a sua actividade.


COMISSÕES DE APRECIAÇÃO

Composição e intervenção

O Estado não pode demitir-se de participar activamente na decisão dos apoios a atribuir. Deverão os apoios resultar também dos objectivos definidos em termos de política cultural e serem politicamente assumidas decisões de continuação/não continuação de financiamentos. É o investimento de dinheiros públicos que está em jogo. Este papel importante só pode, quanto a nós ser assegurado se o director do Instituto das Artes ou o funcionário por ele designado para integrar a comissão de apreciação tiver obrigação de intervir.

Consideramos ainda que não pode ser desperdiçado o conhecimento da realidade no terreno adquirido pelas comissões de acompanhamento e avaliação. Deve o estado rentabilizar o seu investimento na criação destas comissões constituindo como uma das suas funções a obrigação de intervir na apreciação das propostas respeitante à área regional da sua acção.

Consideramos ainda importante a presença obrigatória de um jurista, sem direito de intervenção na apreciação, uma vez que nenhum dos outros elementos desta comissão terão obrigação de conhecer os normativos do procedimento administrativo que estes programas terão de cumprir.

Acreditamos que as propostas que nesta rubrica fazemos contribuirão para decisões politicamente responsáveis, com base em conhecimento de realidades específicas e regulares em termos processuais. Estes hão-de ser os objectivos destes programas. Assim se restringirão as hipóteses de litígio, as probabilidades de desperdício de dinheiros públicos até pelas frequentes indemnizações que o Estado tem vindo a ser obrigado a pagar.

Em resumo a composição das comissões integraria, segundo esta proposta, cinco elementos por área artística e por região - mantendo-se minoritária a intervenção de funcionários do Instituto das Artes - obrigando-se ainda a presença de um jurista sem intervenção na apreciação:

- três elementos de reconhecido mérito e competência em cada uma das áreas artísticas, com intervenção obrigatória na apreciação;

- o director do Instituto das Artes, ou funcionário por ele designado, com intervenção obrigatória na apreciação;

- um elemento das comissões de acompanhamento e avaliação por cada região, com intervenção obrigatória na apreciação;

- um jurista, sem intervenção na apreciação.


Selecção dos 3 elementos independentes

Uma vez que publicamente tanto da srª Ministra como do sr. Secretário de Estado têm afirmado a importância de que a apreciação seja efectuada por elementos de competência reconhecida pelos pares –afirmações com as quais concordamos -, consideramos que antes de ser pública a sua designação, estes devem ser submetidos à apreciação por parte das associações representativas do sector.


Manual de Boas Práticas

Apesar de esta sugestão não ser do domínio legislativo, a PLATEIA reafirma aqui a importância da normalização de procedimentos que um Manual de Boas Práticas pode assegurar.


Norma Transitória

Sendo que no caso prático do programa de apoio a projectos pontuais a executar em 2006 não estará constituída pelo menos a comissão de acompanhamento e avaliação da região Norte, será de designar uma individualidade de reconhecido mérito e competência nas áreas artísticas dos projectos e conhecimento da actividade desenvolvida na região, em sua substituição.


REGIÕES

A divisão em regiões aqui considerada não corresponde à realidade no terreno, no que à arte contemporânea diz respeito, e como tal não pode servir uma correcta promoção destas áreas artísticas, racionalmente, estruturadamente, no todo nacional, obrigando as comissões a comparar e decidir entre coisas não comparáveis, que se desenvolvem com base em pressupostos absolutamente díspares. A Área Metropolitana do Porto é, a par da de Lisboa, a única que possui um verdadeiro tecido profissional, criadores e técnicos sem vínculo a nenhuma estrutura. E, se a região de Lisboa e Vale do Tejo é quase coincidente com a respectiva Área Metropolitana, o mesmo não acontece entre a região Norte e a AMP. Propomos por isso que seja pelo menos considerada mais uma região: a A. M. Porto.


ÁREAS ARTÍSTICAS

Consideramos excessiva a subdivisão agora proposta no âmbito das artes visuais, sendo este programa de apoio já de si compartimentado em regiões e tendo as áreas aqui consideradas um mercado e um valor económico directo que não existe nas artes tipicamente efémeras como o são as artes do espectáculo e mais especificamente o teatro e a dança. As artes plásticas, arquitectura e design eram já anteriormente consideradas e esta subdivisão só terá como consequência a meteorização de verbas totais, já à partida baixas.

Análise do Articulado


Projecto de Decreto-Lei


Art.º 1º, nº 1

Comentada nas “Considerações Gerais” a separação de 3 áreas nas artes visuais que consideramos negativa.


Art.º 1º, antigo nº 3

Não compreendemos exclusão do anterior nº 3 em que era definido o entendimento de difusão. Consideramos que a inclusão de festivais, ciclos de concertos, exposições, mostras e eventos similares é inquestionável.


Art.º 2º

Aqui terá havido erro na transposição entre o antigo e o novo articulado: fazem-se figurar por duas vezes as anteriores alíneas c) e e), deixando de constar as alíneas b) e d) anteriores cuja permanência consideramos absolutamente pertinente. Parece-nos que será apenas de eliminar a alínea e) da anterior redacção, uma vez que fica esvaziada de sentido neste novo figurino.

Art.º 3º, nº 1

Recordamos a proposta da Plateia de considerar o apoio a programas anuais o que pode ser considerado no âmbito dos sustentados já que são apoios a colectivos.


Art.º 3º, nº 2

Embora reconhecendo a dificuldade, é imprescindível que o carácter das “situações excepcionais” evocadas neste ponto seja melhor caracterizado, limitando o seu âmbito. As leis devem ser claras. Não é distante o processo de atribuição de “reforços de verba” pelo Director e Sub-directora do Instituto das Artes, em montantes muito díspares e apenas a alguns, sem ter sido dado público conhecimento de que tal ocorreria e muito menos dos critérios do seu acesso. Esta possibilidade deve apenas ser utilizada quando esteja em causa o tecido profissional e assim o desenvolvimento cultural de toda uma região ou regiões e nunca para estruturas ou projectos específicos em condições de beneficiar dos programas de apoio previstos no n.º 1. Sugerimos assim uma redacção como “... situações excepcionais de salvaguarda do tecido profissional e desenvolvimento cultural de toda uma região ou regiões...”.


Art.º 11º, nº 6

Parece-nos faltar aqui o rigor técnico necessário. Assim: "recurso administrativo" significa "impugnação administrativa", o que pode significar, no caso, reclamação ou recurso hierárquico facultativo.

Quanto a isto, o que está disposto no CPA encontra-se derrogado pelo artigo 59-4 do CPTA que actualmente afirma de forma clara que a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa, bem como o prazo para requerer adopção de providências cautelares. Por isso, mesmo que se queira apenas dizer que o acto pode ser praticado mesmo na pendência de impugnação administrativa, tal nunca prejudica o direito de esperar pela decisão administrativa para depois a impugnar contenciosamente. Isto significa que, na prática e na verdade, terá sempre de ser reconhecido o efeito suspensivo.


Art.º 19º

Prever um regime de remunerações dos membros das comissões de apreciação é um ponto claramente positivo. Temos consciência que parte do atraso na decisão no programa de apoio sustentado na região Norte se terá ficado a dever à não existência deste vínculo.


Projecto de Portaria (Regulamento de Apoio a Projectos Pontuais)

Art.ºs 1º e 2º

Comentada nas “Considerações Gerais” a separação de 3 áreas nas artes visuais que consideramos negativa;


Art.º 3º

Consideramos positiva a inclusão dos novos pontos 2. e 3.;


Art.º 4º, nº 2.


Alíneas c) e d) Consideramos existir informação que deve constar obrigatoriamente do anúncio de abertura e que não consta deste projecto. De outra forma, o objectivo de promover a criação/produção e a fruição no todo nacional de todas as áreas artísticas poderá ficar por cumprir. Assim propomos a seguinte redacção:

c) O montante global do apoio financeiro a conceder por região;

d) O número máximo de projectos a apoiar por região e por área artística;


Alínea f) O prazo mínimo de apresentação das propostas – aquele que é normalmente utilizado – é manifestamente curto se tivermos em conta, por um lado, que este programa se abre também a pessoas singulares, ou seja candidatos eventualmente menos preparados para a elaboração nomeadamente de orçamentos, e por outro lado, que os formulários são frequentemente entregues em formatos inadequados. Assim estar-se-á a fazer uma triagem de projectos não pelas suas qualidades artísticas mas pela capacidade dos seus proponentes de lidar com formatos digitais e com processos mais burocráticos. Assim propomos:

f) O prazo de apresentação das propostas, que não poderá ser inferior a 20 dias úteis...


Art.º 4º, nº 4.

Comentada nas “Considerações Gerais” em que consideramos esta divisão administrativa não coincidente com a realidade no terreno no que à arte contemporânea diz respeito, principalmente ao nível da região Norte.


Art.º 5º

Consideramos que as primeiras obras, e mesmo a formação, quando ao nível de um projecto individual de formação própria, deverão ser do âmbito de bolsas e não deste programa. Deve ser instituído um programa de bolsas que preveja também a investigação nestas áreas. Aqui, como actividades específicas só vemos que seja de considerar criação/produção e difusão/programação, devendo esta última incluir festivais, mostras, exposições e programas de acolhimento de residências artísticas. Não fica estipulado quem e quando se define estas actividades específicas


Art.º 6º

Existe repetição de conteúdos nas alíneas b) e e) já que a ficha artística mencionada em e) nada mais é do que a identificação da equipa envolvida.


Art.º 7º, nº 2

As decisões de exclusão a que se refere o nº 1 deste mesmo art.º resultam de meras verificações administrativas devendo portanto ser da responsabilidade dos serviços do IA. As únicas exclusões que consideramos deverem ser da responsabilidade das comissões de apreciação, “compostas por três individualidades de reconhecido mérito e competência nas áreas artísticas dos projectos”, serão as previstas no art.º 3º, nº3 desta mesma portaria. Assim propomos a seguinte redacção: “... são da competência do Instituto das Artes.”


Art.º 8º

Já objecto de análise em “Considerações Gerais” onde propomos algumas alterações na composição e funcionamento das comissões de apreciação.


Art.os 9º e 10º

No âmbito específico dos projectos pontuais consideramos que o critério “Capacidade de inovação e experimentação” assume relevante importância devendo corresponder-lhe em termos de apreciação uma pontuação de 0 a 10 valores a par dos três primeiros critérios enunciados no nº1 do art.º 9º. Essa importância terá assim correspondência com o conteúdo do 1º objectivo enunciado em todas as áreas artísticas no art.º 2º desta portaria.

Propomos que no nº 1 do art.º 9º a alínea e) seja trocada com a d), passando no art.º 10º a ser mencionadas no nº 1 as alíneas a) a d) e no nº 2 as alíneas e) a g).

Congratulamo-nos ainda com o desaparecimento do critério que correspondia à anterior alínea g), descabido sobretudo num programa destinado a projectos pontuais, e ainda com a separação dos critérios d) e f) na versão de trabalho.


Art.º 10º, nº 5

A prorrogação do prazo de avaliação deve ser limitado por período não superior a 50% do previsto no nº 4 – 15 dias.


Novo Art.º 11º - Audiência de Interessados

Análise em “Considerações Gerais”. Consideramos imprescindível re-inclusão deste procedimento.


Art.º 12º, nº 4

Remissão errada. Não é alínea m) mas alínea i).

O prazo máximo para entrega de certidões e comprovativos de autorização é manifestamente insuficiente. Os comprovativos relativos a direitos de autor e conexos têm muitas vezes prazos bastante dilatados de obtenção. Assim propomos que este prazo seja aumentado para 30 dias úteis.

Consideramos correcta a pena de perda do apoio mas, e apesar de tal procedimento estar previsto na respectiva lei geral (o CPA), deveria ficar aqui definido o procedimento de redistribuição da verba total disponível na área artística e região em que tal ocorra. Constando na decisão final homologada listas graduadas elas terão de ser respeitadas subindo uma posição todos os projectos abaixo do excluído.


Art.º 14º, nº 2

O acompanhamento e a avaliação devem de facto ser da responsabilidade do Instituto das Artes.

Deve no entanto ficar explícito que o acompanhamento e a avaliação são efectuados por comissões de âmbito regional, constituídas por elementos com vínculo ao Instituto das Artes.


Art.º 18º

A abertura deste programa de apoio deveria ser, o mais tardar, no mês de Setembro de cada ano se o propósito é financiar actividades a executar num período coincidente com o ano civil. No entanto compreendemos que a abertura destes programas depende do conhecimento do orçamento de estado o que a protelará sempre para depois do mês de Outubro. Consideramos assim que deverá ser mantido um ritmo anual de abertura do programa num intervalo estreito e fixo, sendo assumido que os projectos se executarão por um período de 12 meses não coincidente com o ano civil (p.e.: Abril 2006 a Abril 2007).