Balanço da distribuição do investimento do Estado na criação artística

Concluído que está o processo de apoio pontual e de reforço de financiamentos a festivais, urge fazer um balanço da distribuição do investimento do Estado na criação artística.

A PLATEIA – Associação de Profissionais das Artes Cénicas tem vindo a chamar a atenção para as graves assimetrias de investimento do Estado no todo do território nacional. No que diz respeito aos financiamentos sustentados (contratos bianuais e quadrianuais que vigoram até final de 2008), as sucessivas renovações têm vindo a agravar a situação escandalosa que resultou do concurso de 2005.

Alertámos já nessa altura para o facto de o montante de financiamento para a Região Norte ser “o investimento per capita mais baixo a nível nacional, sendo inferior a metade do investimento médio no território continental. E na relação número de estruturas a financiar / montante disponível para financiamento a situação é ainda mais grave, surgindo a Região Norte claramente em último lugar quanto ao montante médio disponível para cada estrutura. Situação que agrava a já precária situação vivida na região; os montantes de financiamento atribuídos nesta região por estrutura são escandalosamente baixos há já muito tempo. Num concurso que tem financiado várias estruturas com montantes na ordem de meio milhão de euros/ano, no Norte a estrutura que tem mais financiamento conta apenas com cerca de metade desse valor, e é caso único. As estruturas que se seguem na escala de financiamentos do Ministério da Cultura contam com cerca de 100 mil euros e há até estruturas com financiamentos sustentados da ordem dos cinquenta mil euros.”

O reforço de verbas para festivais , decidido em Dezembro de 2006 e em Junho de 2007, só veio a agravar esta situação. Os quatro festivais da Região Norte com verba reforçada tiveram reforços que não representam sequer 60% dos reforços atribuidos na Região de Lisboa e Vale do Tejo. Ou seja, as estruturas com financiamentos mais baixos foram mais uma vez as menos reforçadas. O ciclo mantém-se e agrava-se.

Quanto ao concurso para apoio pontual, os nossos receios provaram ser justificados. No presente modelo de financiamento do Estado à criação não há lugar para os jovens criadores. Está em causa a renovação do tecido artístico, ou seja, o futuro da criação artística em Portugal. Este modelo é inadmissível. O investimento na criação artística e na renovação do tecido criativo são factores essenciais ao desenvolvimento do país. O Ministério da Cultura tem de ter o peso necessário no Conselho de Ministros para afectar as verbas essenciais à prossecução destes objectivos, sob pena de toda a sua acção ser inconsequente.

Chamamos ainda a atenção para os cuidados de rigor e transparência dos procedimentos dos concursos. São visíveis melhorias nos processos dos últimos anos, mas mantém-se falhas graves. Exemplo disso são casos de pontuações em bloco dos jurados ou de pontuações em que o representante do IA está claramente em dissonância com o resto dos jurados, sem que haja qualquer justificação em acta para estes comportamentos. Lembramos mais uma vez o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de Outubro de 2004 que diz, referindo-se a um concurso para financiamento à produção cinematográfica, “é imprescindível que o júri, que no caso se chama comissão, indique sobre cada um dos critérios o que conduz a determinada decisão.”

Os financiamentos atribuídos pelo Ministério da Cultura têm consequências muito mais vastas do que a viabilização deste ou daquele projecto. O que está em causa é toda uma dinâmica cultural e económica. As artes do espectáculo são naturalmente uma área em que o financiamento estatal por concurso aos criadores tem grandes repercussões: o público só tem acesso às artes do espectáculo através das apresentações ao vivo, quer falemos de património ou de criação contemporânea. É ainda importante não esquecer que em Portugal, à excepção de Lisboa (onde a televisão e o cinema são também fonte de rendimento dos profissionais de espectáculo), as estruturas privadas de criação e produção das artes do espectáculo são as únicas empregadoras, pelo que desinvestir nessas estruturas é impossibilitar a manutenção de um tecido profissional criativo e técnico. E, num país onde os agentes económicos raramente assumem as suas responsabilidades para com o desenvolvimento social, o Ministério da Cultura tem ainda responsabilidades maiores no investimento no futuro da criação artística. Não pode por isso continuar a ignorar os jovens criadores.