forget about culture

Entre 8 e 11 de Outubro, realizou-se em Vilnius, capital da Lituânia e actual Capital Europeia da Cultura, uma reunião plenária do IETM – Internacional Network for Contemporary Performing Arts. O IETM, que reúne habitualmente na Primavera e no Outono de cada ano, é uma organização internacional que agrega mais de 400 membros, de todo o mundo, ligados às artes performativos. Os membros são extremamente heterogéneos, entre companhias, empresas de produção, redes privadas e públicas, teatros nacionais e municipais, institutos públicos etc. Em comum todos parecem ter um forte empenho em partilhar práticas, informação, know how e, claro, facilitar eventuais possibilidades de parceria e produção.

E será entre esta imensa contaminação – cultural, disciplinar e produtiva – que se sublinha a importantíssima componente política e de cidadania que marca todo o trabalho da organização. Não admira por isso que neste encontro no Báltico – intitulado “Promessas do Leste” – se dedicasse uma particular atenção às relações Este-Oeste, passados que são vinte anos sobre a queda do muro de Berlim. Assim foram várias as discussões organizadas em torno da ideia de colonização e de alguma desilusão mútua face às expectativas que, de um lado e de outro, se criaram no fim dos anos oitenta. Como se o Ocidente tivesse perdido o fascínio pelo Leste e o Leste já não acreditasse no Ocidente como solução para os seus problemas. Ou talvez como se a mobilidade acelerada nas duas últimas décadas, especialmente nas regiões mais próximas do centro da Europa, tivesse tornado difusa a fronteira que a cortina de ferro tão bem apontava.

Mas onde mais claramente se revela a importância e singularidade do IETM – para as práticas performativas contemporâneas – é no estímulo dado à discussão da política, economia e marketing da cultura. E entre os inúmeros painéis dedicados à arte como produto de mercado, à sustentabilidade das ONGs durante a actual recessão internacional ou às principais técnicas de lobby – agora designado como advocacy para evitar pele de galinha aos espíritos mais sensíveis – são vários os alertas e orientações que importa destacar. Antes de mais a consciência aguda de que as ondas de choque da actual recessão económica deverão demorar cerca de dois anos a atingir em cheio o sector cultural, pelo que só entre o segundo semestre de 2010 e o primeiro de 2011 é que se farão sentir os principais cortes orçamentais no sector. Vivemos então um momento em que importa, antes de mais, segurar os actuais níveis de investimento público, mesmo que para isso seja necessário reestruturar os institutos públicos, nomeadamente através da redução das suas despesas de funcionamento e pessoal, para que, e sempre que possível, os objectivos do estado possam ser perseguidos directamente pelos privados, isto é pelos artistas sem necessidade de mediação de organismos públicos. Outro factor relevante para amortecer o impacto dos piores dias que se aproximam poderá ser uma colaboração mais próxima com as administrações locais e regionais (onde estas últimas existam, é claro) no sentido de desviar verbas dos fundos estruturais europeus , que estão afectadas ao património, para projectos de criação artística contemporânea.

Naturalmente que todas as acções que os especialistas do IETM vão propondo passam necessariamente por uma fortíssima aposta na capacidade de os criadores comunicarem a mais valia do seu trabalho aos decisores políticos, sejam estes os funcionários do estado ou os representantes eleitos pelos cidadãos. Porque parece ser cada vez mais claro que, na maior parte dos casos, a cultura não se conseguiu afirmar como um bem público com a dignidade da saúde, educação, defesa ou ambiente. Afinal só num caldo cultural deste género, se pode explicar o estigma da “subsidiodependência” que tantas vezes, e por exemplo em Portugal, se associa, ao apoio público à criação artística. Desta forma será imperioso delinear uma estratégia a longo prazo que reclame uma cada vez maior acção directa dos agentes na relação com o próprio eleitorado. Trata-se então de construir uma legitimidade da “criação artística enquanto bem público” através de uma acção continuada junto das forças de quem os decisores dependem, e nomeadamente junto dos media, perante quem os criadores se deverão posicionar cada vez mais como agentes de mudança, reocupando um lugar, na esfera da discussão pública, perdido ao longo dos últimos anos para empresários, comentadores e membros de aparelhos partidários.

Mas a verdade é que este é um processo muito longo, de gerações mesmo, pelo que no curto prazo importa saber como agir para evitar o progressivo desinvestimento que afecta a fatia dos orçamentos dedicados à cultura. E aqui as propostas avançadas no IETM passam sistematicamente pelo “Forget about Culture”, ou seja, se a generalidade dos decisores não se sente ainda convencida do valor intrínseco da cultura, deverá ser então colocada a tónica do discurso no seu valor instrumental, ou seja na capacidade de a cultura promover bens considerados eminentemente públicos como o desenvolvimento económico, o emprego, a educação, a mobilidade, a requalificação urbana, a coesão social ou a integração de minorias. Claro que, e porque sempre haverá quem realize cada um destes objectivos com mais proficiência do que os agentes culturais, não se poderá nunca esquecer a originalidade do valor intrínseco que marca a criação artística. Mas a Real Politik parece impor, cada vez mais, um discurso que constantemente traduza o valor intrínseco da criação artística – maioritariamente impulsionador da actividade dos artistas – para o valor instrumental que os decisores políticos procuram – por ser com este que se comprometeram com o eleitorado e por dependerem deste último para conservar o poder.

Ao longo dos quatro dias que durou o encontro na Lituânia, o fim da tarde suspendia o cansaço das discussões técnicas, e o espaço de encontro alargava-se a variados espectáculos onde se apresentavam as mais diversa facetas das artes performativas do mais meridional dos países bálticos. Teatro, dança, performance , ópera, viagens artísticas, apresentação de processos de trabalho, e tudo isto entre a pompa dos teatros nacionais e a eficácia dos novos espaços de ensaio e apresentação (entre eles o de Eimuntas Nekrosius, bem no centro da capital), sem esquecer um mergulho num bunker soviético da periferia da cidade.

O esforço financeiro das autoridades lituanas, em ano de Capital Europeia da Cultura, para promover a criação contemporânea no país, era patente não só nesta alargada oferta de espectáculos mas também na associação das autoridades municipais e nacionais – tanto ao nível da cultura como dos negócios estrangeiros – ao encontro do IETM. Mas no fim, e porque à cultura mais vale esquece-la, os participantes eram repetidamente lembrados pela equipa do IETM, da importância vital de uma folha A4 que deviam preencher: Tratava-se da descrição pormenorizado dos Euros que cada visitante tinha deixado no país, entre Hotel, refeições, transportes, copos e souvenirs. Para depois fazer ver às autoridades nacionais e municipais que por cada moeda investida ,pelo menos outra, e esperemos que mais, teria sido recuperada para a economia nacional. E assim demonstrar que o investimento na cultura serve o desígnio nacional, e bem público, do desenvolvimento económico. Porque a cultura, só por si, o melhor é esquece-la…

A PLATEIA é membro do IETM – Internacional Network for the Contemporary Performing Arts e da ADDICT – Agência para o Desenvolvimento das Indústrias Criativas