Comunicado da Plataforma das Artes - OE 2011
Comunicado resultante de reunião de dia 30 de Outubro em Lisboa.
Este comunicado foi enviado ao Primeiro Ministro e à Ministra da Cultura no dia 2 de Novembro.
Foi também remetido para a Comissão Parlamentar de Ética, Sociedade e Cultura no dia 4 de Novembro.
A criação artística é um serviço público de valor inestimável.
A Constituição Portuguesa defende o direito consagrado à criação e fruição artísticas, direito que os autores, criadores e demais profissionais das artes desde sempre têm vindo a garantir aos cidadãos.
O investimento empenhado no bem imaterial constituído pela livre criação é essencial ao desenvolvimento de uma sociedade avançada, muito para além de uma limitada visão contabilística. Em última análise, a continuada deficiência de investimento nesta componente essencial da cultura é um gravíssimo atentado ao futuro do país.
É justamente nos momentos de grave crise que não se pode capitular à tentação do desinvestimento. Por isso é com a maior das apreensões que a Plataforma das Artes constata o que parece ser um definitivo abandono.
Há que clarificar que:
- o financiamento da produção cinematográfica e audiovisual provém de verbas autónomas, geradas a partir de receitas de publicidade que flutuam com o estado do mercado;
- o financiamento do Ministério da Cultura (MC) à criação no âmbito das artes performativas e visuais constitui apenas cerca de 50% do total do orçamento gerido pelos agentes no terreno; mas sem esse investimento do estado central, que representa, em números de 2010, apenas 0,03% do OE, todas as receitas complementares ao sector desaparecem, principalmente no actual quadro de retracção e de cortes orçamentais às autarquias e redução do poder de compra da população em geral;
- além do património imaterial insubstituível gerado pela criação artística, este sector devolve ao Estado, na forma de IVA, uma parte considerável das verbas públicas nele investidas;
- a criação artística significa mais de 12 mil postos de trabalho directos (com base em dados de 2006, divulgados em estudo encomendado pelo MC) e um incalculável número de postos de trabalho indirectos, cidadãos que sofrerão, como todos, os agravamentos de impostos e taxas sociais acrescidos da reconhecida e generalizada precariedade e intermitência das suas relações laborais.
2010 – ano caótico e desestruturante do tecido profissional artístico
Em 2010 foi pela primeira vez posto em causa, de forma retroactiva, o cumprimento de contratos assinados com o estado, tendo sido, no caso particular dos agentes financiados pelo ICA, pagas tranches de financiamento já afectadas de redução de 10%. Em Julho os apoios pontuais da DGArtes para o 1º semestre estavam ainda em fase de audiência prévia, não eram conhecidos os resultados dos apoios anuais 2010 e os concursos para apoios pontuais do 2º semestre não tinham ainda sido anunciados. Neste quadro, e na sequência da constituição da Plataforma das Artes enquanto interlocutor alargado junto da tutela, a Ministra da Cultura garantiu publicamente, a 12 de Julho, várias medidas para a sua correcção. Mas anunciou, com o 2º semestre já em curso, que não existiriam apoios pontuais.
Agora, findo o mês de Outubro, há apoios pontuais de 1º semestre e anuais da DGArtes que ainda não foram pagos, a discussão da Lei do Cinema tem sofrido atrasos que comprometem irremediavelmente a sua entrada em vigor em 2011.
As Artes e o MC em 2011
Na noite de 15 de Outubro o governo entregou a sua proposta de OE para 2011 na AR. E essa é a única informação formal de que dispomos sobre a acção que o governo pretende desenvolver no domínio da Cultura e das Artes.
Pela proposta de OE 2011 somos informados que não foi executado em 2010 cerca de 17% do orçamento do MC, um corte real de sensivelmente 40 milhões de euros dos previstos 236,3 milhões no OE respectivo, confirmando o desinvestimento que temos denunciado. O governo projecta para 2011 um aumento de 2,9% sobre o orçamento da Cultura executado em 2010; no entanto isto representa um corte à partida de cerca de 15% levando o orçamento do MC para 0,3% do OE. Se o governo pretende em 2011 realizar a mesma taxa de execução orçamental de 2010 o corte duplicará. Este é de facto o mais baixo orçamento para a cultura desde que existe MC. Cada vez mais longe a meta do 1% para a cultura dos programas eleitorais e do governo; longe está o reconhecimento do erro de não investir na cultura.
É anunciada uma redução de 10% no orçamento PIDDAC da DGArtes (passando a 19,8 milhões de euros), organismo que executa todos os anos integralmente estas verbas de investimento, sendo por isso um corte real. Simultaneamente ao anunciado corte, no texto do Relatório da proposta de OE, é mencionado o reforço do apoio por parte da DGArtes à internacionalização das artes e à rede de teatros e cine-teatros, sem explicar claramente de onde virão essas verbas. Se forem, no todo ou em parte, retiradas do PIDDAC já reduzido, implicam obrigatoriamente mais um corte nas verbas disponíveis para o programa de apoio às artes e por isso redução efectiva do número de estruturas e criadores, redução efectiva da produção artística nacional disponível para internacionalização e para circulação na rede de teatros nacionais.
Os 20% de aumento do orçamento do ICA anunciados, não são correctos. As contas desse aumento foram feitas com o valor da execução de 2010 com 20% das receitas próprias do ICA cativas, como estavam à data de apresentação da proposta de OE. Assim o crescimento para este ano é de facto de 0%, sendo mesmo de prever um decréscimo devido à recessão do mercado de publicidade e à diminuição absoluta da publicidade nas Televisões em substituição de outras formas de inserção (internet, por exemplo).
A única rubrica do orçamento do MC que parece de facto ser aumentada é a do Fundo de Fomento Cultural, uma rubrica com movimentação discricionária e pouco transparente.
O facto de o Ministério não ter até agora considerado necessário estabelecer diálogo com os representantes do sector antes da aprovação do OE, ou seja, antes de todas as decisões tomadas, retira necessariamente credibilidade a qualquer iniciativa apresentada no futuro. No actual contexto de crise, uma prática governativa responsável obrigaria ao estabelecimento de diálogo e procura de soluções comuns.
Este cenário de silêncio e incongruências leva a Plataforma das Artes a reivindicar um esclarecimento urgente, capaz de traduzir o OE 2011 em medidas concretas que identifiquem claramente a proposta do Governo em relação à Cultura.
• De que forma será reconhecida a importância estratégica do investimento nas estruturas e criadores independentes como agentes do desenvolvimento cultural do país e como parceiros do estado?
• De que forma serão preservados mecanismos de renovação do tecido cultural e o apoio directo à criação artística?
• De que forma será promovida a distribuição da oferta de produção artística pelo todo geográfico nacional?
• A verba inscrita no Relatório da proposta de OE 2011 como “Apoio às Artes” – 13,1 milhões de euros, valor amplamente noticiado e nunca formalmente negado ou corrigido – é um lapso? Qual o valor real?
• Qual será a verba a consignar ao apoio à internacionalização da produção artística nacional anunciada no mesmo Relatório? Qual a sua proveniência? E o novo programa para a Rede de Teatros e Cine-teatros? Vai ser implementado? Com que verbas?
• Haverá ganho para os cofres do estado a curto prazo (a crise obriga a resultados imediatos) da fusão dos Teatros Nacionais/OPART? Será possível, com um macro-organismo, manter carreiras e tabelas remuneratórias distintas e específicas de cada um dos organismos pré-existentes? No caso particular do Teatro Nacional de S. João não fica o MC e o país mais pobre no objectivo da descentralização de pólos de decisão e dinamização? Tudo isto foi ponderado?
• Tem o governo noção de que qualquer corte no financiamento público deste sector significará longos períodos sem emprego para trabalhadores que não têm sequer acesso a protecção social para essa eventualidade?
• Qual o impacto real destas ou outras medidas no âmbito da produção e difusão das artes e do Ministério da Cultura como um todo na redução da dívida pública? Foi ponderado esse impacto – obrigatoriamente da ordem das centésimas percentuais do OE face ao iníquo valor do orçamento do MC – e o resultado previsível de aniquilamento de todo um sector?
A Plataforma das Artes, pretendendo apenas reagir e agir após conhecer os reais projectos do governo para o sector, exige da tutela o esclarecimento formal necessário em tempo útil, reconhecendo-nos na prática como os parceiros que somos na concretização das políticas públicas do Ministério da Cultura.
Em nome de milhares de cidadãos profissionais das artes, em nome do direito constitucional à criação e à fruição artística, diversa, plural e distribuída pelo todo nacional, em nome da importância nuclear da arte na cultura e da cultura no desenvolvimento do país, a Plataforma das Artes manifesta a sua disponibilidade para audiência com o Ministério da Cultura antes da discussão na especialidade do OE 2011.
Este comunicado foi enviado ao Primeiro Ministro e à Ministra da Cultura no dia 2 de Novembro.
Foi também remetido para a Comissão Parlamentar de Ética, Sociedade e Cultura no dia 4 de Novembro.
A criação artística é um serviço público de valor inestimável.
A Constituição Portuguesa defende o direito consagrado à criação e fruição artísticas, direito que os autores, criadores e demais profissionais das artes desde sempre têm vindo a garantir aos cidadãos.
O investimento empenhado no bem imaterial constituído pela livre criação é essencial ao desenvolvimento de uma sociedade avançada, muito para além de uma limitada visão contabilística. Em última análise, a continuada deficiência de investimento nesta componente essencial da cultura é um gravíssimo atentado ao futuro do país.
É justamente nos momentos de grave crise que não se pode capitular à tentação do desinvestimento. Por isso é com a maior das apreensões que a Plataforma das Artes constata o que parece ser um definitivo abandono.
Há que clarificar que:
- o financiamento da produção cinematográfica e audiovisual provém de verbas autónomas, geradas a partir de receitas de publicidade que flutuam com o estado do mercado;
- o financiamento do Ministério da Cultura (MC) à criação no âmbito das artes performativas e visuais constitui apenas cerca de 50% do total do orçamento gerido pelos agentes no terreno; mas sem esse investimento do estado central, que representa, em números de 2010, apenas 0,03% do OE, todas as receitas complementares ao sector desaparecem, principalmente no actual quadro de retracção e de cortes orçamentais às autarquias e redução do poder de compra da população em geral;
- além do património imaterial insubstituível gerado pela criação artística, este sector devolve ao Estado, na forma de IVA, uma parte considerável das verbas públicas nele investidas;
- a criação artística significa mais de 12 mil postos de trabalho directos (com base em dados de 2006, divulgados em estudo encomendado pelo MC) e um incalculável número de postos de trabalho indirectos, cidadãos que sofrerão, como todos, os agravamentos de impostos e taxas sociais acrescidos da reconhecida e generalizada precariedade e intermitência das suas relações laborais.
2010 – ano caótico e desestruturante do tecido profissional artístico
Em 2010 foi pela primeira vez posto em causa, de forma retroactiva, o cumprimento de contratos assinados com o estado, tendo sido, no caso particular dos agentes financiados pelo ICA, pagas tranches de financiamento já afectadas de redução de 10%. Em Julho os apoios pontuais da DGArtes para o 1º semestre estavam ainda em fase de audiência prévia, não eram conhecidos os resultados dos apoios anuais 2010 e os concursos para apoios pontuais do 2º semestre não tinham ainda sido anunciados. Neste quadro, e na sequência da constituição da Plataforma das Artes enquanto interlocutor alargado junto da tutela, a Ministra da Cultura garantiu publicamente, a 12 de Julho, várias medidas para a sua correcção. Mas anunciou, com o 2º semestre já em curso, que não existiriam apoios pontuais.
Agora, findo o mês de Outubro, há apoios pontuais de 1º semestre e anuais da DGArtes que ainda não foram pagos, a discussão da Lei do Cinema tem sofrido atrasos que comprometem irremediavelmente a sua entrada em vigor em 2011.
As Artes e o MC em 2011
Na noite de 15 de Outubro o governo entregou a sua proposta de OE para 2011 na AR. E essa é a única informação formal de que dispomos sobre a acção que o governo pretende desenvolver no domínio da Cultura e das Artes.
Pela proposta de OE 2011 somos informados que não foi executado em 2010 cerca de 17% do orçamento do MC, um corte real de sensivelmente 40 milhões de euros dos previstos 236,3 milhões no OE respectivo, confirmando o desinvestimento que temos denunciado. O governo projecta para 2011 um aumento de 2,9% sobre o orçamento da Cultura executado em 2010; no entanto isto representa um corte à partida de cerca de 15% levando o orçamento do MC para 0,3% do OE. Se o governo pretende em 2011 realizar a mesma taxa de execução orçamental de 2010 o corte duplicará. Este é de facto o mais baixo orçamento para a cultura desde que existe MC. Cada vez mais longe a meta do 1% para a cultura dos programas eleitorais e do governo; longe está o reconhecimento do erro de não investir na cultura.
É anunciada uma redução de 10% no orçamento PIDDAC da DGArtes (passando a 19,8 milhões de euros), organismo que executa todos os anos integralmente estas verbas de investimento, sendo por isso um corte real. Simultaneamente ao anunciado corte, no texto do Relatório da proposta de OE, é mencionado o reforço do apoio por parte da DGArtes à internacionalização das artes e à rede de teatros e cine-teatros, sem explicar claramente de onde virão essas verbas. Se forem, no todo ou em parte, retiradas do PIDDAC já reduzido, implicam obrigatoriamente mais um corte nas verbas disponíveis para o programa de apoio às artes e por isso redução efectiva do número de estruturas e criadores, redução efectiva da produção artística nacional disponível para internacionalização e para circulação na rede de teatros nacionais.
Os 20% de aumento do orçamento do ICA anunciados, não são correctos. As contas desse aumento foram feitas com o valor da execução de 2010 com 20% das receitas próprias do ICA cativas, como estavam à data de apresentação da proposta de OE. Assim o crescimento para este ano é de facto de 0%, sendo mesmo de prever um decréscimo devido à recessão do mercado de publicidade e à diminuição absoluta da publicidade nas Televisões em substituição de outras formas de inserção (internet, por exemplo).
A única rubrica do orçamento do MC que parece de facto ser aumentada é a do Fundo de Fomento Cultural, uma rubrica com movimentação discricionária e pouco transparente.
O facto de o Ministério não ter até agora considerado necessário estabelecer diálogo com os representantes do sector antes da aprovação do OE, ou seja, antes de todas as decisões tomadas, retira necessariamente credibilidade a qualquer iniciativa apresentada no futuro. No actual contexto de crise, uma prática governativa responsável obrigaria ao estabelecimento de diálogo e procura de soluções comuns.
Este cenário de silêncio e incongruências leva a Plataforma das Artes a reivindicar um esclarecimento urgente, capaz de traduzir o OE 2011 em medidas concretas que identifiquem claramente a proposta do Governo em relação à Cultura.
• De que forma será reconhecida a importância estratégica do investimento nas estruturas e criadores independentes como agentes do desenvolvimento cultural do país e como parceiros do estado?
• De que forma serão preservados mecanismos de renovação do tecido cultural e o apoio directo à criação artística?
• De que forma será promovida a distribuição da oferta de produção artística pelo todo geográfico nacional?
• A verba inscrita no Relatório da proposta de OE 2011 como “Apoio às Artes” – 13,1 milhões de euros, valor amplamente noticiado e nunca formalmente negado ou corrigido – é um lapso? Qual o valor real?
• Qual será a verba a consignar ao apoio à internacionalização da produção artística nacional anunciada no mesmo Relatório? Qual a sua proveniência? E o novo programa para a Rede de Teatros e Cine-teatros? Vai ser implementado? Com que verbas?
• Haverá ganho para os cofres do estado a curto prazo (a crise obriga a resultados imediatos) da fusão dos Teatros Nacionais/OPART? Será possível, com um macro-organismo, manter carreiras e tabelas remuneratórias distintas e específicas de cada um dos organismos pré-existentes? No caso particular do Teatro Nacional de S. João não fica o MC e o país mais pobre no objectivo da descentralização de pólos de decisão e dinamização? Tudo isto foi ponderado?
• Tem o governo noção de que qualquer corte no financiamento público deste sector significará longos períodos sem emprego para trabalhadores que não têm sequer acesso a protecção social para essa eventualidade?
• Qual o impacto real destas ou outras medidas no âmbito da produção e difusão das artes e do Ministério da Cultura como um todo na redução da dívida pública? Foi ponderado esse impacto – obrigatoriamente da ordem das centésimas percentuais do OE face ao iníquo valor do orçamento do MC – e o resultado previsível de aniquilamento de todo um sector?
A Plataforma das Artes, pretendendo apenas reagir e agir após conhecer os reais projectos do governo para o sector, exige da tutela o esclarecimento formal necessário em tempo útil, reconhecendo-nos na prática como os parceiros que somos na concretização das políticas públicas do Ministério da Cultura.
Em nome de milhares de cidadãos profissionais das artes, em nome do direito constitucional à criação e à fruição artística, diversa, plural e distribuída pelo todo nacional, em nome da importância nuclear da arte na cultura e da cultura no desenvolvimento do país, a Plataforma das Artes manifesta a sua disponibilidade para audiência com o Ministério da Cultura antes da discussão na especialidade do OE 2011.