Comunicado: A Cultura e as Artes no OE 2012
Comunicado endereçado ao senhor Secretário de Estado da Cultura, com conhecimento aos senhores Primeiro-Ministro e Presidente da República e ainda aos grupos parlamentares da AR.
Hoje, dia 5 de Dezembro é a data em que se cumpre o primeiro passo formal das políticas culturais desenhadas pelo actual governo: a entrega de Plano de Actividades e Orçamento por entidades de criação/programação artística de iniciativa não governamental, com um corte de 38% sobre os valores atribuídos em concurso público. E tiveram estas entidades pouco mais de dez dias para o fazer!
A PLATEIA – associação de profissionais das artes cénicas dirigiu-lhe um escrito no passado dia 18 de Outubro, antes portanto de qualquer discussão parlamentar sobre o OE2012, em que solicitávamos audiência urgente com Vª Exª. Tal reunião foi marcada, desmarcada posteriormente por impedimento inesperado de agenda e nunca mais remarcada. Ultrapassada a discussão e aprovação do OE2012 na AR com tudo o que através dela se foi sabendo, após circular da DGArtes dirigida às entidades com contrato de financiamento em vigor e ainda declarações públicas do sr. Director-Geral das Artes, ficou mais completamente desenhado um quadro de menorização objectiva da cultura, através do progressivo extermínio da sua área nuclear – a criação artística contemporânea. À falta do meio prévio a decisões, que tentámos e preferiríamos, escrevemos-lhe aqui sobre a nossa perplexidade e indignação. Damos conhecimento ao ministro que tutela a Cultura, Sua Excelência o sr. Primeiro-Ministro, e a Sua Excelência o sr. Presidente da República já que está em causa uma demissão no cumprimento das funções do Estado e que está também em causa o próprio Estado de Direito.
O programa de extinção da criação artística contemporânea
Aumentam as taxas da IGAC (licenças de espaço, de representação, classificações etárias, etc), aumenta o IVA sobre os bilhetes das iniciativas culturais (estranha excepção ao livro). Com isto muda definitivamente o discurso político sobre a criação artística: não há mais que furtá-la às leis do mercado, não há mais que protegê-la pelo interesse público que representa como área de conhecimento que é, como motor de desenvolvimento e de futuro de qualquer sociedade. Depois a barreira é mesmo ultrapassada aprimorando-se uma ideia de que a Cultura terá, mais do que qualquer outro sector de actividade, vivido acima das suas possibilidades, aplicando cortes maiores nesta área do que em qualquer outra. Desde a privatização da RTP, aos cortes transversais nos orçamentos das entidades de programação e criação artística de iniciativa governamental – que nos põem em risco de perder o único teatro de ópera nacional e levar ao fecho do TeCA, espaço gerido pelo TNSJ –, à não resolução do financiamento ao cinema que tem as suas receitas próprias, provenientes da publicidade, reduzidas pela austeridade, ao corte de mais de 50% no orçamento de investimento da DGArtes, na realidade o corte na cultura, tendo em conta também os fundos directamente atribuídos pelo Ministério das Finanças, é superior a 20%. E isto sobre um orçamento já irrisório, que decresce desde 2000 sem nunca ter chegado ao mítico 1% do OE.
O desrespeito por contratos, pelos profissionais das artes e pela legalidade
Uma das decisões mais inusitadas é aquela que não proviu a DGArtes sequer com o montante já comprometido em contratos de financiamento resultantes de concurso público. Assim, além de a DGArtes estar incapacitada de, cumprindo o quadro legal das suas obrigações, lançar novos concursos de apoio pontual e anual, de apoio à edição e a internacionalização, não pode sequer honrar os compromissos já estabelecidos. Ouvimos membros do governo a clamar da impossibilidade de rever outros contratos, mesmo de adjudicação directa. O estado como pessoa de bem honra os seus compromissos. Mas não no caso das artes. Ouvimos, pessoalmente em audição e audiência na AR quando este desrespeito era perpetrado pela ministra Canavilhas, os deputados do PSD e do CDS a manifestarem o seu repúdio absoluto por tal atitude. Tudo mudou. Pior. Veio o senhor DGArtes a público dizer que “É importante salvaguardar os compromissos em curso – os bienais e quadrienais (…) os 38 % são um valor indicativo para negociação, como ponto de partida já deixam um número muito baixo de fora, na ordem dos 300 mil euros mas que vamos querer salvaguardar. Cada 2 ou 3% de redução permite que haja folga para outros projectos que contribuem para a dinamização da cultura contemporânea. (…) Parece-nos sensato falar com as entidades uma a uma. (…). É uma forma de garantirmos que as boas práticas são premiadas.” Entende-se que cortar 38% num orçamento previsto permite salvaguardar a actividade das entidades com apoio bienal e quadrienal; entende-se ainda como lícito retirar ainda mais dinheiro destes contratos para se obter falsa receita para novos financiamentos, fazendo carne com o próprio pêlo, e ainda se diz que algumas entidades, “as que se “portam bem”, serão “premiadas” pelas suas boas práticas ficando com um corte de “apenas” 38% sobre o que legitimamente previam.
Não sabem, mas deviam saber, que os financiamentos via DGArtes são apenas 50 a 60% do orçamento destas entidades, que é portanto apenas um co-financiamento (como poderia uma estrutura de criação/programação sobreviver com uma verba anual de 50 mil euros ou mesmo menos como muitas?) que é multiplicado pelas próprias entidades que angariam fundos complementares junto de entidades públicas e privadas; que cerca de 60% do total de dinheiro gerido anualmente é dispendido em custos de estrutura e recursos humanos; que em altura de austeridade e em que o estado corta financiamento às suas próprias entidades de programação as receitas complementares estão em risco implicando já um corte nos montantes disponíveis.
Não sabem, mas deviam saber, que com este montante de investimento (?) o retorno em oferta de propostas artísticas será reduzido em mais de 50% e além de despedimentos deixarão ainda de ser contratados muitos profissionais. Sim, somos essencialmente intermitentes, sem contrato; sim, este desemprego não pesará nas estatísticas do estado português nem acarretará qualquer encargo.
Não sabem, mas deviam saber, que no quadro legal dos concursos de apoio às artes estão já previstos mecanismos de acompanhamento e fiscalização, que as entidades estão obrigadas a apresentar relatórios intermédios e finais em cada ano e submetem à DGArtes Plano de actividades e Orçamento anualmente; que por acção das comissões de acompanhamento já algumas estruturas foram penalizadas por incumprimento. E o mecanismo previsto não é o de reuniões individuais à porta fechada, como propõe a DGArtes, porta aberta ao discricionário, à iniquidade, à anulação do concurso público que esteve na base dos contratos tão levianamente postos em causa. E insidioso e repulsivo é o facto de se pedir a colaboração das estruturas num acto com objectivo confesso de aprofundar a espoliação para obter ilegalmente receitas que de facto não existem. São os beneficiários de apoio bi e quadrienais os financiadores da actividade da DGArtes, à custa do seu próprio aniquilamento.
A crise como pretexto
Temos claras razões para entender tudo isto como acção intencional e não mera distracção ou preguiça. De facto a justificação “crise” não tem qualquer cabimento. Aliás já não tinha quando o desrespeito por contratos em curso começou com Gabriela Canavilhas. E aí PSD e CDS na oposição discordavam de tal.
O corte na cultura é da ordem das dezenas de Milhões de euros e a dívida portuguesa conta-se em milhares de Milhões; o corte na DGArtes é cerca de 10 Milhões; seriam necessários, no total 22 Milhões, 17 deles só para contratos em curso.
A inaceitabilidade deste pretexto e o indício de não se tratar de falta de política cultural mas sim da afirmação de uma política de aniquilamento é evidenciada de várias formas.
Na Lei de execução orçamental aprovada para 2012, exclui-se de qualquer corte os fundos para financiamento da investigação científica, via Fundação Ciência e Tecnologia (FCT). Esta área tinha em 2005 o mesmo nível de investimento que a criação artística. Entretanto quadruplicou esse investimento e é agora, e bem, protegido da austeridade, como sector de importância nuclear. As artes foram mantidas num nível de subfinanciamento, que lhe tem diminuído a capacidade de ser reprodutiva, de impacto na sociedade, e não é sequer mantida nesse nível. Que explicação? Afinal, mesmo em crise, havendo vontade política é possível proteger alguns sectores.
Há duas semanas chegou-nos a notícia de que o governo decidiu “perdoar” impostos às operadoras de comunicações móveis no valor total de 26 Milhões de euros. Bem mais do que seria necessário para manter o nível de financiamento à criação artística.
Veio também a lume que foram reduzidas as contrapartidas da empresa fornecedora das Pandur perdendo o estado 189 Milhões de euros. É mais do que todo o orçamento 2012 para a Cultura.
Soubemos ontem que no OE 2011, devido à incorporação do fundo de pensões da banca, há um excedente de 2 mil Milhões. Para a DGArtes ficar em situação regular e cumprir, como deve, os contratos em vigor e dinamizar novas acções de financiamento da arte bastariam 0,5% desta verba, 10 Milhões de euros.
Da Europa chegam verbas a Portugal para financiar a Cultura, concretamente as áreas nucleares da cultura. Com essas verbas lança o governo (anúncios da semana passada) concursos para apoio às indústrias criativas, claramente uma área secundária e não nuclear na cultura, como na sua própria definição é assumido. Promover as indústrias criativas quando se reduz à quase insignificância a criação artística contemporânea é mais ou menos como promover a produção de pneus enquanto se fecha a fábrica da borracha. E as indústrias criativas, por definição, são projectos com rentabilidade não só económica mas também financeira, são negócio. Ao contrário da criação artística que está em posição paralela com a investigação científica e a educação, o seu retorno não é directamente financeiro. Não deveria o governo promover o financiamento das artes com recurso a estas verbas operacionalizadas pelo QREN? Não devia ter um gabinete de apoio que permitisse à estruturas depauperadas ultrapassar as barreiras técnicas de instrução de candidaturas? Com fraca capacidade financeira para aceder a estes fundos, não deveria o governo considerar a constituição de clusters – a Plateia, p.e., poderia constituir-se dessa forma – que aumentassem essa capacidade? Desde sempre a grande maioria das entidades de iniciativa não governamental se viram fora destes fundos e também, da mesma forma, fora dos apoios mecenáticos, ambos “fugindo” para as instituições do estado quer centrais quer locais. Porque não também no mecenato o governo agir e definir que uma percentagem de todos os mecenatos concedidos a entidades do estado deste sector reverta para as estruturas de iniciativa não governamental?
Em conclusão
Por tudo o que acima dizemos concluímos que…
1. Os cortes na Cultura não são contributo para atenuar o défice nacional face aos irrisórios valores envolvidos;
2. Nem que os valores fossem mais significativos nada pode pôr em causa o estado de direito; os resultados de um procedimento de concurso público têm de ser respeitados;
3. Há evidências claras de que se houvesse vontade política tais cortes não aconteceriam (veja-se o valor do perdão, em tempo de crise, às operadoras de telemóvel, p.e.)
4. Estão ainda à disposição de V.as Ex.as mecanismos de financiamento às artes sem afectar o OE, via QREN e mecenato;
5. Os cortes na cultura e nas artes em particular configuram um ataque ao interesse público nacional, incluem um desprezo pelo estado de direito (o desrespeito de contratos decorrentes de concurso público, pelo próprio instituto do concurso público como mecanismo de equidade e transparência por excelência), o aniquilamento de todo um sector de actividade que é nuclear para o desenvolvimento do país, aumento de desemprego mudo e diminuição da dinamização da economia.
Assim, aguardamos medidas urgentes que alterem o quadro negro actual. Temos ainda de manifestar o enorme desconforto de ver um profissional das artes, como é Vª Exª, a constituir-se como comissão liquidatária do sector, tarefa que poderia perfeitamente ser desempenhada por um qualquer quadro médio do estado.
De Vª Exª o que esperamos é que nos fale da incorporação das artes nos curricula do ensino básico regular, que proponha uma Lei de Bases para as Artes em que se definam as funções do estado nesta área, que angarie mais verbas para lançar programas que promovam a renovação do tecido artístico, dando cumprimento à recomendação votada favoravelmente também por PSD e CDS, de apoio específico a primeiras obras.
Hoje, dia 5 de Dezembro é a data em que se cumpre o primeiro passo formal das políticas culturais desenhadas pelo actual governo: a entrega de Plano de Actividades e Orçamento por entidades de criação/programação artística de iniciativa não governamental, com um corte de 38% sobre os valores atribuídos em concurso público. E tiveram estas entidades pouco mais de dez dias para o fazer!
A PLATEIA – associação de profissionais das artes cénicas dirigiu-lhe um escrito no passado dia 18 de Outubro, antes portanto de qualquer discussão parlamentar sobre o OE2012, em que solicitávamos audiência urgente com Vª Exª. Tal reunião foi marcada, desmarcada posteriormente por impedimento inesperado de agenda e nunca mais remarcada. Ultrapassada a discussão e aprovação do OE2012 na AR com tudo o que através dela se foi sabendo, após circular da DGArtes dirigida às entidades com contrato de financiamento em vigor e ainda declarações públicas do sr. Director-Geral das Artes, ficou mais completamente desenhado um quadro de menorização objectiva da cultura, através do progressivo extermínio da sua área nuclear – a criação artística contemporânea. À falta do meio prévio a decisões, que tentámos e preferiríamos, escrevemos-lhe aqui sobre a nossa perplexidade e indignação. Damos conhecimento ao ministro que tutela a Cultura, Sua Excelência o sr. Primeiro-Ministro, e a Sua Excelência o sr. Presidente da República já que está em causa uma demissão no cumprimento das funções do Estado e que está também em causa o próprio Estado de Direito.
O programa de extinção da criação artística contemporânea
Aumentam as taxas da IGAC (licenças de espaço, de representação, classificações etárias, etc), aumenta o IVA sobre os bilhetes das iniciativas culturais (estranha excepção ao livro). Com isto muda definitivamente o discurso político sobre a criação artística: não há mais que furtá-la às leis do mercado, não há mais que protegê-la pelo interesse público que representa como área de conhecimento que é, como motor de desenvolvimento e de futuro de qualquer sociedade. Depois a barreira é mesmo ultrapassada aprimorando-se uma ideia de que a Cultura terá, mais do que qualquer outro sector de actividade, vivido acima das suas possibilidades, aplicando cortes maiores nesta área do que em qualquer outra. Desde a privatização da RTP, aos cortes transversais nos orçamentos das entidades de programação e criação artística de iniciativa governamental – que nos põem em risco de perder o único teatro de ópera nacional e levar ao fecho do TeCA, espaço gerido pelo TNSJ –, à não resolução do financiamento ao cinema que tem as suas receitas próprias, provenientes da publicidade, reduzidas pela austeridade, ao corte de mais de 50% no orçamento de investimento da DGArtes, na realidade o corte na cultura, tendo em conta também os fundos directamente atribuídos pelo Ministério das Finanças, é superior a 20%. E isto sobre um orçamento já irrisório, que decresce desde 2000 sem nunca ter chegado ao mítico 1% do OE.
O desrespeito por contratos, pelos profissionais das artes e pela legalidade
Uma das decisões mais inusitadas é aquela que não proviu a DGArtes sequer com o montante já comprometido em contratos de financiamento resultantes de concurso público. Assim, além de a DGArtes estar incapacitada de, cumprindo o quadro legal das suas obrigações, lançar novos concursos de apoio pontual e anual, de apoio à edição e a internacionalização, não pode sequer honrar os compromissos já estabelecidos. Ouvimos membros do governo a clamar da impossibilidade de rever outros contratos, mesmo de adjudicação directa. O estado como pessoa de bem honra os seus compromissos. Mas não no caso das artes. Ouvimos, pessoalmente em audição e audiência na AR quando este desrespeito era perpetrado pela ministra Canavilhas, os deputados do PSD e do CDS a manifestarem o seu repúdio absoluto por tal atitude. Tudo mudou. Pior. Veio o senhor DGArtes a público dizer que “É importante salvaguardar os compromissos em curso – os bienais e quadrienais (…) os 38 % são um valor indicativo para negociação, como ponto de partida já deixam um número muito baixo de fora, na ordem dos 300 mil euros mas que vamos querer salvaguardar. Cada 2 ou 3% de redução permite que haja folga para outros projectos que contribuem para a dinamização da cultura contemporânea. (…) Parece-nos sensato falar com as entidades uma a uma. (…). É uma forma de garantirmos que as boas práticas são premiadas.” Entende-se que cortar 38% num orçamento previsto permite salvaguardar a actividade das entidades com apoio bienal e quadrienal; entende-se ainda como lícito retirar ainda mais dinheiro destes contratos para se obter falsa receita para novos financiamentos, fazendo carne com o próprio pêlo, e ainda se diz que algumas entidades, “as que se “portam bem”, serão “premiadas” pelas suas boas práticas ficando com um corte de “apenas” 38% sobre o que legitimamente previam.
Não sabem, mas deviam saber, que os financiamentos via DGArtes são apenas 50 a 60% do orçamento destas entidades, que é portanto apenas um co-financiamento (como poderia uma estrutura de criação/programação sobreviver com uma verba anual de 50 mil euros ou mesmo menos como muitas?) que é multiplicado pelas próprias entidades que angariam fundos complementares junto de entidades públicas e privadas; que cerca de 60% do total de dinheiro gerido anualmente é dispendido em custos de estrutura e recursos humanos; que em altura de austeridade e em que o estado corta financiamento às suas próprias entidades de programação as receitas complementares estão em risco implicando já um corte nos montantes disponíveis.
Não sabem, mas deviam saber, que com este montante de investimento (?) o retorno em oferta de propostas artísticas será reduzido em mais de 50% e além de despedimentos deixarão ainda de ser contratados muitos profissionais. Sim, somos essencialmente intermitentes, sem contrato; sim, este desemprego não pesará nas estatísticas do estado português nem acarretará qualquer encargo.
Não sabem, mas deviam saber, que no quadro legal dos concursos de apoio às artes estão já previstos mecanismos de acompanhamento e fiscalização, que as entidades estão obrigadas a apresentar relatórios intermédios e finais em cada ano e submetem à DGArtes Plano de actividades e Orçamento anualmente; que por acção das comissões de acompanhamento já algumas estruturas foram penalizadas por incumprimento. E o mecanismo previsto não é o de reuniões individuais à porta fechada, como propõe a DGArtes, porta aberta ao discricionário, à iniquidade, à anulação do concurso público que esteve na base dos contratos tão levianamente postos em causa. E insidioso e repulsivo é o facto de se pedir a colaboração das estruturas num acto com objectivo confesso de aprofundar a espoliação para obter ilegalmente receitas que de facto não existem. São os beneficiários de apoio bi e quadrienais os financiadores da actividade da DGArtes, à custa do seu próprio aniquilamento.
A crise como pretexto
Temos claras razões para entender tudo isto como acção intencional e não mera distracção ou preguiça. De facto a justificação “crise” não tem qualquer cabimento. Aliás já não tinha quando o desrespeito por contratos em curso começou com Gabriela Canavilhas. E aí PSD e CDS na oposição discordavam de tal.
O corte na cultura é da ordem das dezenas de Milhões de euros e a dívida portuguesa conta-se em milhares de Milhões; o corte na DGArtes é cerca de 10 Milhões; seriam necessários, no total 22 Milhões, 17 deles só para contratos em curso.
A inaceitabilidade deste pretexto e o indício de não se tratar de falta de política cultural mas sim da afirmação de uma política de aniquilamento é evidenciada de várias formas.
Na Lei de execução orçamental aprovada para 2012, exclui-se de qualquer corte os fundos para financiamento da investigação científica, via Fundação Ciência e Tecnologia (FCT). Esta área tinha em 2005 o mesmo nível de investimento que a criação artística. Entretanto quadruplicou esse investimento e é agora, e bem, protegido da austeridade, como sector de importância nuclear. As artes foram mantidas num nível de subfinanciamento, que lhe tem diminuído a capacidade de ser reprodutiva, de impacto na sociedade, e não é sequer mantida nesse nível. Que explicação? Afinal, mesmo em crise, havendo vontade política é possível proteger alguns sectores.
Há duas semanas chegou-nos a notícia de que o governo decidiu “perdoar” impostos às operadoras de comunicações móveis no valor total de 26 Milhões de euros. Bem mais do que seria necessário para manter o nível de financiamento à criação artística.
Veio também a lume que foram reduzidas as contrapartidas da empresa fornecedora das Pandur perdendo o estado 189 Milhões de euros. É mais do que todo o orçamento 2012 para a Cultura.
Soubemos ontem que no OE 2011, devido à incorporação do fundo de pensões da banca, há um excedente de 2 mil Milhões. Para a DGArtes ficar em situação regular e cumprir, como deve, os contratos em vigor e dinamizar novas acções de financiamento da arte bastariam 0,5% desta verba, 10 Milhões de euros.
Da Europa chegam verbas a Portugal para financiar a Cultura, concretamente as áreas nucleares da cultura. Com essas verbas lança o governo (anúncios da semana passada) concursos para apoio às indústrias criativas, claramente uma área secundária e não nuclear na cultura, como na sua própria definição é assumido. Promover as indústrias criativas quando se reduz à quase insignificância a criação artística contemporânea é mais ou menos como promover a produção de pneus enquanto se fecha a fábrica da borracha. E as indústrias criativas, por definição, são projectos com rentabilidade não só económica mas também financeira, são negócio. Ao contrário da criação artística que está em posição paralela com a investigação científica e a educação, o seu retorno não é directamente financeiro. Não deveria o governo promover o financiamento das artes com recurso a estas verbas operacionalizadas pelo QREN? Não devia ter um gabinete de apoio que permitisse à estruturas depauperadas ultrapassar as barreiras técnicas de instrução de candidaturas? Com fraca capacidade financeira para aceder a estes fundos, não deveria o governo considerar a constituição de clusters – a Plateia, p.e., poderia constituir-se dessa forma – que aumentassem essa capacidade? Desde sempre a grande maioria das entidades de iniciativa não governamental se viram fora destes fundos e também, da mesma forma, fora dos apoios mecenáticos, ambos “fugindo” para as instituições do estado quer centrais quer locais. Porque não também no mecenato o governo agir e definir que uma percentagem de todos os mecenatos concedidos a entidades do estado deste sector reverta para as estruturas de iniciativa não governamental?
Em conclusão
Por tudo o que acima dizemos concluímos que…
1. Os cortes na Cultura não são contributo para atenuar o défice nacional face aos irrisórios valores envolvidos;
2. Nem que os valores fossem mais significativos nada pode pôr em causa o estado de direito; os resultados de um procedimento de concurso público têm de ser respeitados;
3. Há evidências claras de que se houvesse vontade política tais cortes não aconteceriam (veja-se o valor do perdão, em tempo de crise, às operadoras de telemóvel, p.e.)
4. Estão ainda à disposição de V.as Ex.as mecanismos de financiamento às artes sem afectar o OE, via QREN e mecenato;
5. Os cortes na cultura e nas artes em particular configuram um ataque ao interesse público nacional, incluem um desprezo pelo estado de direito (o desrespeito de contratos decorrentes de concurso público, pelo próprio instituto do concurso público como mecanismo de equidade e transparência por excelência), o aniquilamento de todo um sector de actividade que é nuclear para o desenvolvimento do país, aumento de desemprego mudo e diminuição da dinamização da economia.
Assim, aguardamos medidas urgentes que alterem o quadro negro actual. Temos ainda de manifestar o enorme desconforto de ver um profissional das artes, como é Vª Exª, a constituir-se como comissão liquidatária do sector, tarefa que poderia perfeitamente ser desempenhada por um qualquer quadro médio do estado.
De Vª Exª o que esperamos é que nos fale da incorporação das artes nos curricula do ensino básico regular, que proponha uma Lei de Bases para as Artes em que se definam as funções do estado nesta área, que angarie mais verbas para lançar programas que promovam a renovação do tecido artístico, dando cumprimento à recomendação votada favoravelmente também por PSD e CDS, de apoio específico a primeiras obras.