Carta Enviada à Comissão de Educação, Ciência e Cultura da Assembleia da República
O Secretário de Estado da Cultura tem repetido à imprensa que não houve alterações no modelo de apoio às artes. Mas tal afirmação não corresponde à verdade. Porque se deram alterações profundas que, infelizmente, não foram alvo da discussão e tramitação a que deveriam ter estado sujeitas.
A PLATEIA já fez chegar estas preocupações ao Senhor Provedor de Justiça, alertando para a eventual ilegalidade do Aviso de Abertura 15486-c/2012, publicado na 2ª série do DR de 19 de novembro, e assinado pelo Diretor-Geral das Artes.
1) Neste aviso a Direção-Geral das Artes procurou fixar uma
interpretação relativa ao artigo 27 do RAAFE (Regime de Atribuição de Apoios
Financeiros do Estado), na versão dada pelo DL 196/2008 de 6 de Outubro.
Quando neste se lê:
“A mesma atividade e o
mesmo projeto não podem beneficiar de apoios cumulativos previstos no presente
decreto lei.”
O Senhor Diretor-Geral vem dizer, no Aviso de Abertura, que
se deve entender:
“A mesma atividade e o
mesmo projeto não podem beneficiar de apoios cumulativos, pelo que cada
atividade e projeto, incluindo aqueles desenvolvidos em coprodução, devem
figurar apenas em uma única candidatura.”
Mas ao longo dos últimos 4 anos, este artigo nunca tinha
suscitado qualquer polémica, sedimentando-se nos seus destinatários a convicção
de que o mesmo não colocava em causa o modelo da co-produção; e foi com base
nesta convicção, fonte de certeza e segurança, que administração e cidadãos se
foram comportando ao longo dos últimos anos, sendo agora surpreendidos, de um
dia para o outro, com uma alteração política imposta por aviso de abertura.
2) No mesmo “aviso de abertura” (e em conjugação com o Aviso
de Abertura 15486-A publicado na mesma altura) o Diretor Geral das Artes propõe
uma afetação do montante disponível no concurso, que altera, na prática e por
completo, todo o paradigma político do apoio às artes em Portugal, desde o
início dos anos noventa. Assim, e a um paradigma que tinha como eixo central o
apoio direto aos artistas (ainda que não excluindo outros eixos indiretos), o
aviso de abertura vem agora impor (dividindo sensivelmente a meio os recursos
disponíveis) um paradigma assente de modo semelhante em apoios diretos e
indiretos.
Naturalmente não discutimos neste momento a oportunidade ou
bondade das decisões políticas que aqui estão em causa. Pretendemos antes
apontar que, salvo melhor opinião, determinadas decisões políticas (do foro de
Decreto-Lei, ou pelo menos de Portaria) foram tomadas sem qualquer discussão
pública, sem ouvir os representantes do setor, sem Conselho de Ministros, sem
nada, apenas com uma assinatura do Diretor Geral das Artes, Samuel Rego.
Parece-nos assim que esta decisão fere o sistema
constitucional português, permitindo ao Diretor-Geral das Artes, na prática,
assumir poderes legislativos, alterando, na prática, o regime constante de um
Decreto-Lei (em cujo preâmbulo se referia expressamente o cumprimento da
discussão pública inerente à produção legislativa em Portugal).
Aproveitamos também para chamar a atenção para as
assinaturas de 638 cidadãos que – por ocasião de uma concentração organizada
pela PLATEIA no dia 14 de Janeiro – fizeram sentir a sua preocupação pelos
efeitos desta (efetiva) mudança de paradigma sobre a diversidade e
acessibilidade da prática teatral na cidade do Porto (Petição pelas Companhias
de Teatro do Porto em http://peticaopublica.com/PeticaoVer.aspx?pi=14jan17h).
Aliás, e perante o impacto destas medidas na região norte, e
em particular na cidade do Porto, é de todo incompreensível que o Senhor
Secretário de Estado da Cultura – já no decorrer do concurso e através do
Despacho 1911-A/2013 de 30 de Janeiro - tenha autorizado a transferência do
valor remanescente disponível nos apoios indiretos na região norte para outras
regiões (em vez de o manter na região norte, reafetando-o aos apoios diretos).
Parece-nos assim que seria de todo oportuno que o Senhor
Secretário de Estado da Cultura pudesse explicar, perante a Comissão de
Educação, Ciência e Cultura da Assembleia da República, não só as suas
intenções mas também os seus peculiares
métodos de produção legislativa. E esclarecer, naturalmente, o que em
particular o moverá contra a região norte em geral e contra o teatro da cidade
do Porto em particular.
Com os melhores cumprimentos,
A Direção da Plateia
Mário Moutinho, Carlos Costa e Julieta Guimarães
A PLATEIA é uma associação que agrega cerca de 80
profissionais e mais de 20 estruturas do norte de Portugal, maioritariamente da
Zona Metropolitana do Porto, das áreas do teatro e dança. A PLATEIA afirma-se
como uma plataforma de discussão e intervenção acerca das políticas culturais,
nomeadamente para as artes performativas, aos níveis local, regional, nacional
e europeu.