Comunicado Conjunto CENA PLATEIA REDE STE
No passado dia 15 de março foi enviado ao Ministério da Cultura, à Secretaria de Estado da Cultura, à Direção-
Geral das Artes e a todos os Grupos Parlamentares um comunicado conjunto intitulado Pontos de Consenso
relativamente ao Novo Modelo de Apoio às Artes, da iniciativa do CENA – Sindicato dos Músicos, dos
Profissionais do Espectáculo e do Audiovisual, da PLATEIA – Associação de Profissionais das Artes Cénicas, da
REDE – Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea e do STE – Sindicato dos Trabalhadores de
Espectáculos.
No mesmo dia foi também formalmente solicitada uma audiência com a presença do Sr. Ministro da Cultura,
do Sr. Secretário de Estado, da Sra. Diretora-Geral das Artes e representantes das quatro estruturas que deram
forma à iniciativa.
O documento apresenta propostas que partem de ideias representativas e consensuais dentro das referidas
estruturas e dos contactos mantidos nos últimos anos com o meio em que desenvolvem a sua atividade.
Esta iniciativa tem como finalidade exprimir um consenso em torno de princípios base e contribuir ativamente
para a construção de um Novo Modelo de Apoio às Artes, demonstrando que o sector está disponível para
cooperar no desenvolvimento de melhores condições para as Artes.
Entende-se que um Novo Modelo deve responder de forma mais eficaz, mais acessível e mais transparente aos
desafios atuais da realidade artística e ao dever constitucional de assegurar condições para a criação e fruição
cultural plural em todo o território. Como garantia destas condições, considera-se fundamental o princípio da
independência, ao qual subjazem todas as propostas descritas no Comunicado Conjunto, valorizando a
liberdade e a expressão democrática.
Hoje, dia 20 de março, o Comunicado Conjunto é tornado público e divulgado nas redes sociais e outros
suportes das estruturas referidas, conjuntamente com um selo de incentivo à manifestação pública através de
textos livres sobre o Futuro do Apoios às Artes. Pretende-se um envolvimento mais alargado e ativo do sector
na inciativa, mas também uma maior consciencialização da sociedade para a importância do apoio e do
desenvolvimento das Artes em Portugal.
Pontos de Consenso
relativamente ao
Novo Modelo de Apoio às Artes
As
organizações que subscrevem este documento apresentam por este meio
propostas representativas que pretendem servir de contributo para o
Novo Modelo de Apoio às Artes, desenvolvidas a partir de
ideias consensuais dentro das suas estruturas e dos contactos
mantidos nos últimos anos com trabalhadores e entidades de criação
e programação, e que se julga reunirem um amplo apoio no seio da
comunidade que representam.
O
Novo Modelo de Apoio às Artes deve responder de forma mais eficaz,
mais acessível e mais transparente aos desafios atuais da criação
e ao dever constitucional de assegurar condições para a criação e
fruição cultural plural em todo o território. Como garantia destas
condições, considera-se fundamental o princípio da independência,
ao qual subjazem todas as propostas abaixo descritas, valorizando a
liberdade e a expressão democrática.
1.
Política cultural clara, esclarecida e independente
Os
princípios orientadores de uma política cultural do Estado devem
garantir uma base para pôr em prática o que a Constituição
consagra, a par de um diálogo com o presente. Só esse é o garante
de independência face a interesses predominantes em cada ciclo
legislativo ou face aos imperativos de ordem económica e financeira
que na última década se impuseram sobre os valores fundadores da
democracia e põem continuamente em causa o estado de direito.
Uma
política cultural clara prima por assegurar a coerência entre os
instrumentos de que se serve e os princípios que defende. Uma
política cultural independente e esclarecida valoriza também todos
os mecanismos e instrumentos que garantem a independência do setor
de forma transversal, seja no que diz respeito aos seus agentes, seja
no que diz respeito às instituições e estruturas privadas, bem
como fomenta e suporta o trabalho especializado e o seu
desenvolvimento responsável em prol da sociedade em geral.
2.
Apoio à criação
A
definição da criação artística como um campo específico dentro
do setor cultural, a progressiva especialização e
profissionalização dos agentes, a centralização dos apoios na
iniciativa independente na dimensão artística e conceptual dos
projetos e a distribuição de apoio através de concursos são
conquistas de anos, que fizeram de Portugal um dos núcleos de
criação artística internacional mais profícuos e respeitados, e
devem ser mantidas e intensificadas na estratégia que se vier a
definir no Novo Modelo de Apoio às Artes.
A
continuidade e intensificação desta estratégia contribui e poderá
contribuir ainda mais para a evolução da criação e da sociedade
portuguesas.
O
apoio direto à iniciativa dos artistas e estruturas independentes,
através de concursos, sem mediadores com interesses diretos
envolvidos na decisão, é fundamental para garantir a diversidade,
independência e isenção das forças do mercado.
É
fundamental para a disseminação destes valores por todos os setores
da sociedade e para esboroar divisões desnecessárias entre elites
esclarecidas e ativas e maiorias que acriticamente vêm normalizando
a governação pública, porque se normalizaram também os canais e
as formas pelos quais se exprimem, limitando a participação crítica
dos cidadãos. A democratização do conhecimento e de todas as
ferramentas que fortaleçam o livre pensamento são fundamentais para
alimentar um sistema poroso, de trocas livres, e não um sistema de
mercado, onde o acesso é condicionado por aquilo que mais vende
(mais espetadores, mais likes,
...) ou pela dependência de um núcleo circunscrito de mediadores.
É
necessário, a par de uma adequação das modalidades de apoio à
complexidade e escala dos projetos, a criação de concursos
específicos e ajustados para entidades emergentes, com uma
percentagem definida do valor total dos apoios.
A
par do apoio à criação artística, o apoio à programação
independente é fundamental para que se mantenha a independência e
liberdade de compromissos políticos e económicos e para
contrabalançar a tendência de uniformização que rege atualmente a
sociedade, o setor cultural e o setor da “informação”.
Das
auscultações realizadas junto dos profissionais do setor,
concluímos que é difícil que uma mesma matriz concursal responda a
diferentes necessidades, formas de organização, divulgação,
comunicação e objectivos e períodos de produção. Assim,
parece-nos importante enveredar pela criação de concursos separados
para algumas das disciplinas apoiadas, nomeadamente as artes visuais
e as artes performativas.
É
necessário, por fim, aumentar o financiamento destinado ao apoio às
artes, com o intuito de garantir maior estabilidade laboral, para
além da sustentabilidade artística e
de produção a um maior número de entidades – estas condições
são uma verdadeira defesa da criação artística, refletida,
criteriosa, feita no respeito pelos seus tempos próprios.
3.
Não instrumentalização da arte
Arte
e sociedade nunca estiveram desligadas, apesar de uma aparência, em
determinadas épocas históricas, de que a arte e os artistas
existiam num campo apartado da sociedade. Hoje, por contraponto,
assistimos a sucessivas tentativas de instrumentalização da arte,
ou reduzindo o espaço para a atividade de criação artística ao
que se pretende conhecer sobre “aquilo que os públicos querem”,
numa lógica geralmente paternalista e populista, ou fazendo da arte
o “embaixador agradável” de mudanças que nem a educação, nem
a economia, nem a política estão a ser capazes de fazer, pois os
paradigmas que suportavam a nossa organização social estão em
falência, constrangidos pelo predomínio da lógica de mercado, ela
própria destinada a falir.
A
arte é de facto um instrumento, mas um instrumento radical. Só a
sua independência material e simbólica é o garante de que ela pode
operar sobre as estruturas que poderemos querer mudar. Só uma
crença, na radicalidade fraturante da criação artística e na
vitalidade que ela pode imprimir à humanidade, fomenta o livre
pensamento.
4.
Seleção
A
atribuição de apoios deve passar sempre por processos concursais.
Todos os concursos devem ter júris e estes devem ser escolhidos
pelas equipas dos organismos da tutela, de forma independente, e
devem apresentar garantia de total isenção e competência, sem
margem para conflitos de interesses.
5.
Cumprimento
Os
prazos de concurso e dos processos devem ser fixos, estar claramente
definidos e ser cumpridos.
Devem
estar previstas sanções para o incumprimento de prazos e pagamentos
por parte do Estado.
Os
prazos para pagamento devem ser fixos e dentro dos prazos de execução
das atividades apoiadas.
A
dotação orçamental plurianual para a
Cultura
para todos os concursos deve considerar-se como possível solução.
Deverá
ser contemplada a renovação automática dos contratos anteriores
caso os concursos não sejam abertos dentro dos prazos estabelecidos.
6.
Ética
O
Estado deve beneficiar e incentivar comportamentos éticos.
É
fundamental fixar e publicar uma carta de boas práticas do setor,
que abranja princípios de atuação, princípios de relação entre
os profissionais, tabelas salariais e de despesas que, mesmo não
sendo vinculativa, possa constituir um referente para aqueles que
hoje trabalham e para aqueles que hoje estão em formação.
7.
Desburocratização e flexibilidade
Deve
ser assegurada menos burocracia para todos os concursos e mais
flexibilidade nos processos.
Deve
proceder-se à remodelação da atual plataforma de entrega de
candidaturas.
Deve
ser dada prioridade, nos pressupostos dos concursos e na avaliação,
à qualidade artística da proposta apresentada e não à formatação
da própria proposta.
8.
Fruição
A
fruição cultural está consagrada na constituição da República
Portuguesa. Ela existe como direito dos cidadãos antes e para além
do mercado de bens. Assim, a disseminação dos objetos, das
práticas, das ideias e do conhecimento devem estar acessíveis a
todos os diferentes cidadãos, em todos os diferentes contextos, não
deve estar exclusivamente assente na lógica da procura e do mercado.
Neste
campo, a escola e todos os campos da educação são fundamentais e o
Estado deve assegurar também que o acesso às artes e à cultura
está inequivocamente consagrado no seio da escola e no centro das
aprendizagens que todos podem experienciar.
Só
a independência garantirá a democratização da fruição, pois os
projetos de programação e de formação de públicos deixam de
estar sujeitos aos constrangimentos do mercado, dos números e dos
interesses partidários ou individuais, para serem norteados por
princípios de livre acesso à diversidade de formas de expressão.
9.
Condições laborais
Deve
proceder-se ao desenvolvimento de um plano realizado em articulação
com os sindicatos, as entidades apoiadas e as estruturas estatais,
que estabeleça medidas definidas para erradicar a precariedade
laboral no setor a par do correspondente aumento de verbas para o
mesmo.
10.
Plataforma de divulgação
Deve
ser criada uma plataforma de divulgação e promoção pública de
todas as criações apoiadas, de distribuição e acesso fáceis em
todo o território e que utilize vários meios de comunicação.