Comunicado PLATEIA - Orçamento de Estado para a Cultura 2021 e medidas urgentes

Face ao novo estado de emergência e em reação à proposta de Orçamento do Estado, a PLATEIA considera fundamental que o governo tome medidas de forma a garantir (1) efetiva proteção social para quem trabalha nas artes e cultura em todas as modalidades de trabalho, (2) apoios às estruturas de criação e difusão das artes para que não se comprometa a sua sobrevivência e continuidade de atividade e para proteger quem nelas trabalha, (3) regras justas para os cancelamentos e adiamentos de atividades, com garantia do pagamento dos custos associados, (4) a divulgação das garantias de segurança e saúde nas atividades culturais e (5) um reforço do Orçamento do Estado para a Cultura.


O governo divulgou nas últimas horas as novas medidas restritivas de combate à pandemia, que entraram em vigor nesta madrugada de 9 de novembro. A PLATEIA, estrutura representativa de profissionais das artes cénicas, vê com preocupação as terríveis consequências destas medidas para milhares de trabalhadores, centenas de estruturas artísticas e culturais em todo o país e para a participação cultural e acesso à cultura de toda a população.
Incompreensivelmente, o anúncio das medidas restritivas não foi acompanhado por um anúncio de medidas de apoio aos trabalhadores e às atividades mais afetadas. Também a proposta de Orçamento do Estado agora em discussão não prevê nenhuma medida para responder à supressão de atividades que ocorrem já por todo o país em diversos equipamentos culturais e que se vão agravar com as novas restrições.

O sector da cultura foi um dos mais prejudicados pela pandemia que teve implicações directas na vida de milhares de pessoas e em todo o tecido cultural nacional. Depois das medidas restritivas agora anunciadas é absolutamente urgente que o Governo, o Ministério da Cultura e o Ministério do Trabalho e da Segurança Social, consigam, de forma célere e eficaz, dar resposta, desde já às seguintes preocupações: 

Proteção Social para quem perdeu rendimentos


Tem de ser garantida efetiva proteção social para quem perde os seus rendimentos devido à crise pandémica e a todas as medidas restritivas vigentes.  Este apoio tem de estar acima da linha da pobreza, tem de ser universal - não deixando ninguém de fora - e tem de se prolongar enquanto permanecer a crise e as suas consequências na quebra de atividade na área das artes e cultura. Deverá ter um calendário de pagamento razoável e fiável e regras simples e claras. 

Apoio às estruturas de criação e difusão cultural


É fundamental garantir a sobrevivência do tecido cultural do país e a continuidade das atividades de criação, difusão e participação cultural.
Ao abrigo do Programa de Estabilização Económica e Social (PEES) foram abertas linhas de apoio para o setor artístico: para algumas estruturas e para a adaptação dos espaços artísticos. 
É urgente que se executem estes apoios, dado que as verbas destinadas ao equipamento de adaptação às novas regras de segurança e saúde para espaços abertos ao público ainda não foram pagas.
É absolutamente essencial a continuação, o alargamento e o reforço destas linhas.
Infelizmente a situação pandémica agravou-se e a retoma da atividade cultural que se iniciou vê-se bloqueada numa parte muito significativa do território. O novo estado de emergência trará necessidades de compensação às estruturas, de modo a manterem trabalhadores e atividades, sob pena de prejuízos irreparáveis para o tecido cultural do país.
É necessário proteger as salas independentes. Com a redução da lotação das plateias, e a consequente diminuição de público, há centenas de salas de apresentação independentes que dependem das bilheteiras para o seu financiamento e que não têm capacidade financeira para se manterem abertas. A consequência do seu encerramento, que em muitos casos será definitivo, representa uma grande perda para todos.
Salientamos ainda os atrasos que se estão a verificar no pagamento das tranches relativas ao mês de outubro, pela Direção-Geral das Artes, às estruturas com apoio sustentado, bem como o atraso na divulgação dos resultados do Programa de Apoio a Projetos - Criação e Edição, que, segundo o regulamento, poderia começar a ser executado a partir de 1 de novembro do ano vigente, e que, neste momento, ainda não tem sequer divulgados os resultados provisórios. 
Estes constantes atrasos nos resultados de concursos e transferências que estavam já calendarizadas e previstas em orçamento prejudicam seriamente o trabalho diário de companhias e profissionais, aumentando o clima de instabilidade e precariedade. 

Regras justas sobre cancelamentos e adiamentos de atividades


O Decreto-Lei n.º 10-I/2020 sobre o cancelamento dos espectáculos já não está em vigor porque a sua possibilidade de aplicação terminou no fim do último estado de emergência. Agora, com a entrada de um novo estado de emergência e num momento em que se volta a assistir a uma segunda vaga de cancelamentos, é urgente voltar a implementar este decreto. Contudo, consideramos que deve ser melhorado, de forma a garantir que quando há cancelamentos são pagas a 100% todas as despesas já tidas associadas à apresentação, incluindo o pagamento às equipas.
Será também necessário criar um mecanismo de fiscalização do cumprimento destas regras, bem como um canal de denúncia de situações de incumprimento. Sabemos que a maioria dos cancelamentos que ocorreram na primeira vaga da pandemia ainda não foram pagos. As estruturas, produtoras e artistas têm muita dificuldade em exigir o cumprimento deste decreto-lei por parte das entidades contratantes e por isso é fundamental que se criem mecanismos para que a lei seja aplicada, protegendo estruturas e profissionais de represálias e pressões em caso de denúncia do incumprimento.

“A Cultura é Segura” 


Até ao momento, não há indicação de que tenha havido qualquer surto de contágio dentro de uma instituição cultural. Pelo contrário, as medidas adoptadas pelas instituições, quer públicas quer privadas, têm conseguido detectar a existência de possíveis casos positivos antes de qualquer apresentação pública, e têm feito todos os esforços para cumprir escrupulosamente todos os protocolos de segurança e higiene. 
Com o anúncio do fecho das actividades culturais às 22h30, as entidades juntaram-se, numa campanha independente, ajustando horários de apresentação dos espectáculos e reforçando a confiança junto dos seus espectadores. Agora, tendo em conta as directrizes no novo estado de emergência quanto ao recolher obrigatório quer em dias de semana, quer aos fins de semana, e com as recomendações para se cumprir apenas actividades estritamente essenciais, como planeia o governo transmitir segurança e confiança ao público para se deslocar a uma sala de espectáculo?

Reforço do Investimento na Cultura


A proposta de Orçamento do Estado parece assumir que a recuperação do setor cultural será total em 2021, uma vez que não prevê qualquer medida relacionada com as consequências da pandemia. Continuará a ser esta a perceção do governo após o anúncio de novo estado de emergência?
Mesmo se não fossem necessárias quaisquer medidas extraordinárias, é fácil concluir que uma política cultural que garanta os direitos culturais da população, que seja capaz de produzir e transmitir conhecimento e de qualificar e democratizar a sociedade não se faz com 0,21% do Orçamento do Estado. São 0,21% para todas as políticas relacionadas com preservação e acesso ao património, museus, bibliotecas, teatros, arquivos, com a arqueologia, a literatura, a criação e difusão artística do cinema, das artes plásticas, do teatro ou dança, levadas a cabo por instituições tão diversas como a Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, o Instituto do Cinema e Audiovisual, a Direção-Geral do Património Cultural, a Direção-Geral das Artes, a Cinemateca, o Centro Cultural de Belém, os Teatros Nacionais, a Biblioteca Nacional ou as Direções Regionais de Cultura. E tudo isto em contexto de crise e de perda grave de receitas próprias. Há vinte anos que o investimento em Cultura tem uma tendência decrescente, agravada pelos anos da troika e não contrariada pela recente política de gestão corrente dos escassos recursos, cujas cativações impedem que os pequenos melhoramentos vejam sequer a luz do dia. É urgente assumir outra postura, recuperar do atraso e combater a crise.


9 de novembro de 2020